Quanto mais eu leio sobre teoria literária, menos compreendo o “que é” Literatura! Para meu consolo, parece que minha ignorância tem o respaldo de ninguém menos do que Tzvetan Todorov, ex-professor da Escola de Altos Estudos (Paris) e que, num opúsculo esclarecedor, mostrou que uma das causas da “morte” da literatura está exatamente em sua “didatização” e sua “teorização”: aquela besteira pela qual todos passamos em que temos de preparar uma ficha de leitura, localizar a obra num “estilo de época” ou analisar um romance à luz de uma teoria… e todas estas coisas que minam a experiência estética que uma boa obra pode proporcionar.
Aceitei, por um bom tempo, a ideia dos Formalistas russos (Viktor Tchlekov), da “literariedade” e da “materialidade” do texto literário. A questão estava em saber o “que faz um texto literário ser… literário, e não uma outra coisa?”, e a resposta, grosso modo, estava na sua capacidade de nos suspender dos automatismos do pensar, de nos surpreender através de uma sintaxe e de uma semântica que figuram o mundo e nossas experiências de uma forma inaudita, só possível pela linguagem literária. No entanto, nos anos 30, Marcuse vaticinava o fim da literatura (e da arte em geral) numa futura revolução social bem sucedida: se a literatura era crítica (do presente) e imaginação (utopia), numa sociedade reconciliada não precisaríamos mais nem de uma coisa, nem de outra. Eis como a esquerda imaginava o fim da literatura (e da arte)!
Quando descobri a “estética da recepção” (Robert Jauss), introduzida entre nós pelo pernambucano Luis Costa Lima, percebi que estava diante de uma verdadeira “revolução copernicana” que deslocava as questões tradicionais “quem diz”, o “quê diz” e “como diz” (autor, forma e conteúdo) para a questão crucial “quem lê” e “como lê”: o leitor passou a ganhar um “foro privilegiado”. Recai agora sobre as expectativas, a disponibilidade, a espessura social que separa o leitor da obra, os estímulos que recebe e, claro, o que ele faz com tudo isto (recepção pragmática, primária, secundária, etc.) e o interesse central sobre o “literário”. Historiadores como Roger Chartier e críticos literários como Alberto Manguel desenvolveram, a partir disto, estudos sobre a história da leitura: como os homens se comportaram diante da obra escrita, tanto física como espiritualmente.
Assim, se aprendi alguma coisa (e acho que aprendi!) foi isto: precisamos de literatura porque as linguagens de que dispomos (matemática, filosófica, científica) para exprimir e nos interpelarmos como indivíduos são insuficientes. Uma imagem resume tudo: a literatura é como acender um fósforo numa noite escura no meio de um deserto. Não ilumina grande coisa, mas tomamos consciência da escuridão em volta!
Li que os americanos estão tentando articular neurociência com literatura. O projeto é simples: através de ressonância magnética, pode-se averiguar que áreas do cérebro são ativadas por certas passagens da leitura de, por exemplo, um romance, produzindo sensações diversas (alegria, prazer, angústia, etc.). Assim, as editoras podem encomendar aos autores livros que manipularão diretamente tais áreas cerebrais e que funcionarão como uma “droga”, viciando o leitor e produzindo altos lucros.
Nos anos trinta, foi a esquerda (Marcuse) que vaticinou o fim da literatura e da arte. Hoje é a direita neobehaviorista que vai realizar o projeto de dar fim à literatura.
Foto da Capa: Freepik / Gerada por IA
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