1. Os livros aguentam quase tudo. Divórcios, mudança, umidade, calor, pó, frio, até não serem lidos por séculos.
2. Mas são de papel diante do fogo e da água.
3. Agora me chega a notícia do alagamento quase total do depósito da L&PM. Quem sabe o plástico possa salvar os livros que estiverem envoltos, mas penso também nos que estavam desprotegidos em sebos e pequenas livrarias atingidas, nas bibliotecas pessoais, obras por vezes únicas, impossíveis de repor.
4. Anos atrás, entrei num sebo na Osvaldo Aranha, que até onde sei se salvou, e entre os livros mais estranhos que raros lá dispostos, havia um tratado em inglês sobre formigas do Colorado. Me pareceu curioso o destino daquele robusto volume. Como teria ido parar em Porto Alegre? Quem também, em sã consciência, dedicaria quase oitocentas páginas às formigas do Colorado? Evento tão misterioso bem merecia um poema, e o escrevi lá para as bandas de 2010, acrescentando algumas bromas sobre o digno doutor em formigas do Colorado, e outros breves dados colhidos no Google.
5. Inclui-o em meu primeiro poemário, e anos depois o tenho lido com boa receptividade aqui em Buenos Aires. Às vezes me arrependo de não ter comprado o livro, nem que fosse para compor o relicário de meu folclore pessoal. Tenho pensado, nesses dias, que talvez a enchente o tenha destruído, caso alguém, mais curioso que eu, tenha lhe oferecido um novo lar que agora possa estar inundado.
6. Perdido como tantos livros. Formigas do Colorado. E então em um sarau no início deste mês, organizado com excelência pelo Tomás Zambonini, li o poema na versão em portenho feita pelo poeta e tradutor Fermín Vilela. No intervalo, um sujeito parecido com o Philip Seymour Hoffman, me disse, num bom espanhol, eu sou do Colorado, e nunca soube de nenhuma formiga sobre a qual valesse a pena escrever um livro.
7. Um acontecimento com qualquer coisa de Disneylândia, dos Titãs. Brasileiro em Buenos Aires lê poema em espanhol sobre formigas americanas para um americano que vive em Buenos Aires.
8. Alguns amigos gaiatos duvidaram uma vez que o livro existisse. Voltei ao sebo para fotografá-lo, devo ter mandado a foto, mas agora tenho a impressão de que tudo foi uma espécie de sonho, de fantasia conveniente.
9. Abro o navegador disposto à verdade, o que nem sempre é a melhor das disposições. Vou à Estante Virtual.
10. E lá está. No mesmo sebo em que o descobri. E mais uma vez deixo passar a oportunidade de comprá-lo.
11. O que, afinal, em faria com um livro sobre as formigas do Colorado?
Foto da Capa: Freepik
Mais textos de Pedro Gonzaga: Leia Aqui.