Da mesma maneira que muitas mulheres que conheço, fui ensinada a evitar falar abertamente sobre assuntos femininos. A alça do sutiã deveria ficar escondida sob a blusa, ninguém podia imaginar que eu estivesse menstruada, e os absorventes tinham que ser mantidos fora de vista, guardados em uma gaveta da cômoda. Até as calcinhas eram estendidas no varal de forma discreta, como se fossem algo proibido. Qualquer conversa sobre temas femininos acontecia em rodas fechadas de meninas, onde as dúvidas eram sussurradas para não serem ouvidas por outros.
Com o tempo, comecei a romper esses tabus e, hoje, me sinto mais à vontade para falar sobre essas questões, inclusive na presença de homens — algo que minha mãe considerava impensável. No entanto, viver em uma sociedade machista e conservadora ainda impõe desafios. Muitas mulheres não se sentem confortáveis em discutir seus problemas, nem mesmo com a própria família. Embora rotuladas como ‘sexo frágil’, são educadas para serem fortes e silenciosas, o que frequentemente as leva a negligenciar a própria saúde, adiando exames de rotina que poderiam salvar suas vidas.
Conheço mulheres que evitam o ginecologista como se fosse algo proibido. Sentem vergonha de se despir diante de outra pessoa, mesmo que seja para cuidar da saúde. O medo de serem julgadas como promíscuas ou mal faladas cria barreiras que confundem o limite entre o saudável e o prejudicial.
Li recentemente o livro “28 calcinhas no varal – Histórias sobre coisas feias e proibidas” da autora porto-alegrense Regina Freitas Silveira e fiquei encantada com a forma com que ela aborda diversos temas femininos. Em seu livro, composto por poemas, crônicas e pequenos contos, Regina fala sobre menstruação, feminilidade, relacionamentos, espiritualidade, menopausa, entre outras questões que permeiam o universo das mulheres. Embora sua escrita seja leve, cada texto é um choque de realidade capaz de nos fazer enxergar a crueza com que, com o nosso consentimento, fomos tratadas ao longo de nossas vidas.
Um dos primeiros textos, intitulado “Maldita e bendita mamografia”, nos remete à importância da prevenção contra o câncer de mama. Ainda em tempo do Outubro Rosa, trago um trecho da bela escrita de Regina:
Colocamos nossos seios na máquina para serem “esmagados”.
Nesse momento, a BENDITA MAMOGRAFIA nos leva para o FUTURO!
Um futuro de novos e melhores tempos para todas nós!
Um futuro de ESPERANÇA!
Essa reflexão me faz pensar que, enquanto muitas de nós ainda enfrentam silêncios e vergonhas impostos pela sociedade, a coragem de falar e de cuidar de nós mesmas é um ato de resistência. Precisamos quebrar os tabus para que possamos viver com mais saúde e dignidade. Romper com esses tabus nos permite construir uma nova forma de existir, em que podemos nos sentir confortáveis em nossos próprios corpos e assumir o protagonismo sobre nossa saúde. Falar abertamente sobre menstruação, menopausa, autocuidado, sexualidade e tantas outras questões que afetam as mulheres é, na verdade, um movimento necessário para desmantelar a cultura de silêncio que gira em torno das mulheres.
Calcinha suja de sangue
Como assim?
Nosso sangue não é sujeira!
É líquido raro!
É fonte nutridora de vida!
Nosso sangue nos fala dos nossos
ciclos, da perfeição do nosso corpo
que sabe a hora de retê-lo e liberá-lo
Nosso sangue é nosso bem mais
precioso!
Desrespeitá-lo é desonrar o nosso
EU SAGRADO.
Muitas mulheres ainda crescem ouvindo que seus corpos são motivo de vergonha ou que os processos naturais pelos quais passam devem ser escondidos. Por isso, o Outubro Rosa não é apenas um mês de conscientização sobre o câncer de mama — é também um lembrete da importância de cuidarmos de nossa saúde integral, sem temer o que os outros vão pensar ou dizer. A mamografia, a consulta ao ginecologista e a conversa aberta sobre nossos corpos são também formas de empoderamento. Regina Freitas Silveira, ao falar sobre esses temas de forma tão sensível em 28 calcinhas no varal, nos ajuda a entender que cada pequeno gesto, cada palavra falada sem medo, é uma forma de nos libertarmos dessas amarras. Ao colocar a intimidade feminina em foco, ela transforma o que foi silenciado em algo poderoso, reafirmando a importância de darmos voz às nossas experiências.
A leitura desse livro reforçou em mim a convicção de que precisamos continuar quebrando esses ciclos de silêncio. Cada tabu que rompemos é uma conquista para todas nós, e cada história compartilhada é uma forma de mostrar que o que foi considerado “proibido” é, na verdade, parte essencial da nossa existência.
Foto da Capa: Freepik
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