Redes sociais insuflando os bolsonaristas a contestar o resultado das urnas: “Supremo é o Povo”; “Código-Fonte”; “Voto Impresso e Auditável”; “Artigo 142 da CF”; “72 Horas”… Presidente e sua família fazendo postagens colocando em dúvida o resultado das urnas. Multidões acampadas nas frentes dos quarteis pedindo golpe de estado. Bolsonarista colocando bomba no aeroporto de Brasília na véspera do Natal. Minuta de decreto golpista circulando…
No dia 12 de dezembro, os bolsonaristas saíram da frente dos quartéis e começaram o quebra-quebra em Brasília sob o olhar plácido da polícia do Distrito Federal…
Então veio o 8 de janeiro, a tal Festa da Selma combinada nos gabinetes e grupos de Telegram, com multidões invadindo os poderes na expectativa do efeito dominó de que uma provável decretação de uma GLO provocaria em polícias estaduais e setores do exército. Com a insubordinação das forças armadas – respaldada por expressivo apoio popular e dos setores econômicos -, viria a anulação da eleição democrática de Lula. Finalmente começava a fazer sentido a presença de Bolsonaro em tantas festas de formaturas policiais… Daí seu Jair voltaria de Orlando, quase um Lenin de direita chegando em Petrogrado de trem, aclamado por multidões com a camisa da seleção, sapatênis, bermuda de sarja, meia social e pochete.
Sim, tudo aponta para Bolsonaro e seu entorno como idealizadores do golpe. Mas, olhando em retrospectiva, o golpe começou quando um juiz e promotores decidiram limpar a política daquilo que consideravam prejudicial ao país. Eles galvanizaram a raiva da classe média brasileira contra o governo incompetente da Dilma Rousseff e a hegemonia petista. Foram amplificados e santificados pela grande mídia e criaram um ambiente em que qualquer contestação só poderia vir de corruptos prejudicados pela redentora ação da justiça.
Em pouco tempo a mídia ficou adicta das operações policiais espetaculosas, feitas aos borbotões para excitação quase sexual de uma parcela da sociedade que lia aquilo como a ressignificação da política em novos patamares éticos. Os noticiários se tornaram programas policiais, com um público sedento para ver poderosos tendo a casa invadida de madrugada, com as mãos para trás chegando na Polícia Federal. Os limites da legalidade foram sendo esgaçados em nome de um conceito genérico de passar a limpo o país, com juiz e acusador combinando provas, escolhendo competências, grampeando advogados, vazando investigações sigilosas, tudo isso com apoio incondicional do mainstream midiático.
O orgasmo coletivo da classe média veio com a condução coercitiva de Lula até o aeroporto de Congonhas, transmitida ao vivo pelos noticiários previamente avisados, juntamente com a busca e apreensão inútil e humilhante na sua casa e de seus familiares. Surgia o novo Brasil. A Lava-Jato dava a luz ao futuro presidente: Jair Messias Bolsonaro!
Nisso a Lava-Jato já tinha se tornado uma franquia, com braços nos Tribunais onde ministros competiam para serem o mais lavajatista, aparecerem no Jornal Nacional como soldados na luta contra a corrupção, quiçá no próximo filme ou em algum outdoor com os braços cruzados olhando para o futuro.
O êxtase era tamanho que nem a morte do reitor Cancellier – depois de uma Operação Policial patética e risível-, tirou as pessoas do transe.
Apesar de destruição moral e jurídica do Lula e do PT, o líder da esquerda seguia forte, talvez naquela parcela da população que tenha ganho alguma dignidade no seu governo, saído da extrema pobreza com algum programa assistencial, comprado casa, feito universidade, viajado… Então a Lava-Jato precisava dar a última cartada: a prisão! Veio a sentença condenatória. 218 páginas onde uma conclusão parida precocemente torturava freneticamente premissas tentando justificar uma condenação apesar da absoluta falta de provas entre prédios de ilações rasas ornadas por palavreado jurídico e messiânico.
A vitória do filho da Lava-Jato foi apertada, apesar do líder petista ter sigo excluído do páreo. O filho pródigo nomeou seu criador para ministro da Justiça, sabendo, no entanto, que ele só estava esquentando o banco para o ex-juiz, era uma ponte para tornar um pouco menos imoral o golpe judicial aplicado. Para sobreviver, seu Jair teria de destruir seus criadores. Posto na berlinda, Moro resolve antecipar seu projeto de poder e sai do governo atacando, esperando que seu criador tivesse destino semelhante ao de Lula, enquanto ele seria carregado pelos cidadãos-de-bem para seu futuro glorioso como presidente da República.
E de repente as pessoas começam a sair do transe, com o presidente já deixando claro que ia colocar pra quebrar e sair da presidência não era mais opção sobre a mesa. Nenhum protagonista apto a enfrentar o protoautocrata, pois a Lava-Jato havia destruído a cena política brasileira como fez com a economia. Daí os ministros do Supremo, emparedados pelo presidente da República, hostilizados em público e nas redes sociais, decidem reconhecer o óbvio e anulam o teratológico processo contra o Lula. Como naqueles filmes da Sessão da Tarde, foram buscar seu campeão para salvar sua própria pele e, de sobra, o resto do país.
Daí no 08 de janeiro o seu Jair cai na real que não é nenhum Marechal Castelo Branco, mas apenas um ex-militar preguiçoso expulso do exército depois de planejar bomba em uma adutora, bem como que nenhum país civilizado iria apoiar o tiranete destrambelhado do Vivendas da Barra.
Como supremo paradoxo, Jair Bolsonaro acabará preso depois de um processo judicial regular, com direito à ampla defesa, onde juiz e promotor não combinarão provas, nem o primeiro será nomeado ministro da ala política beneficiada, além do que não haverá advogados grampeados: enfim, a civilização prevaleceu!
Foto da Capa: Marcelo Camargo | Agência Brasil