Nessa semana completa um ano daquilo que uns chamam de enchente, outros de desastre, outros de tragédia. O que deu para aprender de lá pra cá? Como tenho me debruçado sobre esse tema no meu objeto de pesquisa, no mestrado em Comunicação, de tentar compreender como se deram os processos de comunicação do risco que corremos, proponho nesse artigo algumas reflexões.
Espero que você, que me lê, já tenha percebido que o contexto de análise do que vivemos deve ir muito além da situação dos sistemas de proteção envolvendo diques e casas de bomba. Nos últimos tempos, o que temos constatado é que parece não interessar o contexto. As autoridades, os tomadores de decisão falam e fazem o que bem entendem e fica tudo por isso mesmo. E se a sociedade não pressionar, a imprensa não vai fazer as perguntas necessárias. Está faltando clareza quanto à realidade em que estamos metidos.
Hoje, o que tem valido, tanto em redes sociais quanto na imprensa, não é se o emissor tem conteúdo, fala a verdade, mas sim se ele transmite a mensagem que ele deseja. Vale lembrar que tudo que passa na tela do seu smartphone é definido por algoritmos. Muitas vezes, o que aparece foi pago para big techs que têm interesse no seu perfil. Não importa se é coerente ou verdadeiro, essas empresas estão interessadas apenas no lucro.
Mesmo depois de tudo que aconteceu, o prefeito Sebastião Melo se reelegeu, com ampla votação mesmo nos bairros devastados pela inundação. Isso se deu a diversos fatores, mas principalmente pelas estratégias de comunicação adotadas na sua campanha. Nossa realidade interconectada é comandada pelas narrativas de quem tem domínio de surfar as ondas da internet.
Um ano de desastre na GloboNews
Na quarta à noite, dia 30 de abril, o programa Em Pauta, da GloboNews, promoveu uma edição especial sobre o um ano do desastre no RS. A bancada fez perguntas para os representantes das três esferas de governo. E o impressionante é que o prefeito de Porto Alegre afirmou não se arrepender de nada do que foi feito. Vocês lembram das falas emblemáticas dele no ano passado?
No meio disso tudo, estamos nós, os moradores de cidades afetadas que ainda não sabemos decifrar o que significam os mapas distribuídos pela Defesa Civil na véspera de eventos extremos. Também não estamos sendo preparados para compreender como devemos deixar nossas casas diante de um tornado ou uma microexplosão. Será que a saída é se mudar para outro estado? (tenho me perguntado muito sobre isso)
Não vi qualquer autoridade sendo questionada sobre o que está sendo feito para instruir e educar a população para enfrentar esse “novo normal”. O aumento da temperatura global está sendo agravado pelo lançamento progressivo de Gases de Efeito Estufa (GEEs), mas tomadores de decisão parecem estar morando em outro planeta: enxugam a máquina pública que serviria para diminuir os gastos, para depois correr atrás do prejuízo para fazer obras de engenharia.
Enquanto há zilhões de influencers, vendedores, profissionais de diversas áreas se comunicando, ou melhor, dando o seu recado, vendendo seu peixe, comercializando cursos, produtos milagrosos para solucionar problemas desde unha encravada até depressão, o que o poder público está fazendo para prevenir e mitigar os impactos de várias crises de saúde pública, entre outros riscos, que estão nos rondando?
Mais dengue, menos gestão de risco
A explosão de casos de dengue, em Porto Alegre, é outra face das mudanças climáticas e da falta de cuidado do poder público com as vulnerabilidades da população. A dengue é uma doença provocada por um mosquito que se adaptou muito bem por aqui. O Aedes aegypti se beneficia com o aumento da temperatura. E ele transmite não só dengue, mas também Chikungunya, Zika e febre amarela. E atinge todas as classes sociais, mas é claro, as mais pobres sofrem mais.
Qual é a estrutura de prevenção que o poder público está empregando para evitar a proliferação do mosquito? Qual é a relação da limpeza das áreas urbanas com o aumento de casos? Quais as tentativas de esclarecimento estão sendo realizadas? A mídia tem feito uma cobertura decente dessa situação? Quantas reportagens você tem visto sobre orientações de como não pegar a doença?
Nos últimos anos, a prefeitura de Porto Alegre precisou montar um hospital de campanha para atendimento a vítimas de dengue devido à multiplicação de casos. Alguém perguntou quantos funcionários públicos estão se dedicando ao combate a esse inseto, que é uma espécie exótica, ou seja, não estava no nosso ambiente natural?
Uso esse exemplo, porque se antes, durante e depois do desastre não fomos orientados, preparados para saber como agir – o que valeu, na maior parte das vezes, foi o que alguém indicava em grupos de WhatsApp. Hoje estamos com outras demandas, mas está tudo interconectado, também é uma decorrência da emergência climática.
Estratégias de comunicação de risco já
É urgente a construção de mecanismos de comunicação de risco com a participação da sociedade, da academia, de diversos segmentos para enfrentarmos esse ‘novo normal’. Pesquisas mostram que campanhas e mobilizações dão mais certo se há envolvimento e engajamento das partes, chamadas de stakeholders. Profissionais de comunicação precisam estar atuando desde a concepção da gestão de risco até a implementação de ações. Isto é muito mais do que fazer atendimento às demandas de assessoria de imprensa.
A comunicação precisa ser encarada como um serviço de utilidade pública e não estar a serviço apenas do dono do poder do momento. O desempenho do governador Eduardo Leite na Globo News demonstrou o quanto sua assessoria está afiada na condução da sua trajetória política. Já pensaram no tanto de tempo que a imprensa perde colocando uma esfera de governo contra outra enquanto poderia focar na busca de soluções?
Não só o governo, mas movimentos da sociedade civil, academia, entre outras instituições, precisam se dar conta de que informar não é comunicar, como bem vem alertando há tempo o sociólogo Dominique Wolton. Comunicar exige negociação, contato, retorno. Diante de todo esse emaranhado, dessa infodemia, na qual o que é completamente supérfluo toma conta das telas, enquanto o essencial para a nossa sobrevivência enquanto espécie é deixado de lado, o que nós podemos fazer?
Colóquio para jornalistas
Participei na segunda, dia 28 de abril, de um evento superinteressante, porém com pouco público. Atrair a atenção de públicos específicos é um dos pontos mais desafiadores do momento. A intenção da organização era chamar jornalistas. Mas esse é um dos públicos mais difíceis de se trabalhar e também exige estratégias de comunicação.
O Colóquio Comunicação de Riscos em Desastres Naturais, promovido pelo Instituto de Pesquisas Hidráulicas e Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da UFRGS, oportunizou compreender questões básicas do comportamento dos recursos hídricos, da gestão de risco e da comunicação sobre o que vivenciamos no Estado no caso das inundações dos últimos anos.
Antes de qualquer coisa, precisamos estar com essa fórmula na cabeça, especialmente quem mora no Estado de maior incidência de eventos extremos. Todos corremos riscos, mas precisamos saber calcular:
Risco = Ameaça x Exposição x Vulnerabilidade
A gestão de risco envolve:
PREVENÇÃO >> MITIGAÇÃO >>>PREPARAÇÃO
A gestão de desastres envolve:
RESPOSTA >> REABILITAÇÃO >>> RECONSTRUÇÃO
Em todas essas etapas, a comunicação de risco precisa ser trabalhada. Como acredito que esse tema deve ser melhor compreendido, seguirei na semana que vem tratando do que rolou no evento promovido pela UFRGS. Até porque, nos dias 2 e 3, ocorrerá o Summit em Mudanças Climáticas, promovido pela reitoria da UFRGS.
Professores antenados
Também vale registrar o lançamento do Projeto Sinpro/RS Ambiental no dia 25 de abril. A iniciativa é bem-vinda diante do contexto, até porque a capilaridade do sindicato no interior é expressiva. Pretende mobilizar professores para esse momento da civilização. O evento contou com as palestras da pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) Luciana Vanni Gatti e do professor da Universidade de Santa Cruz do Sul João Pedro Schmidt na sede do sindicato em Porto Alegre. O painel do lançamento teve como título: Aquecimento Global – perspectivas e possibilidades de contenção. Você pode conferir aqui.
Campanha Outros lados do contexto
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