Tomei gosto por rever os documentos antigos da esquerda. Eu entro no site do Partido dos Trabalhadores (pt.org.br) onde eles estão listados no menu Documentos: Manifesto de Fundação do PT, Carta de Princípios do PT, Estatuto do PT e Notas e Resoluções. Eu os releio como se estivesse revendo o álbum de fotografias de meu filho: olha esse dentinho aqui, olha aquele pezinho ali! É que aqueles documentos são retratos do pensamento da esquerda de uma época, são como nossas fotografias antigas que nos mostram como éramos quando jovens. Você fica pensando: como mudei, onde mudei, como cheguei a ser o adulto que sou em relação ao jovem que fui um dia.
Eu gostaria que a esquerda fizesse esse exercício. Eu o faço nas páginas de Sler com a certeza de que é preciso rever estes documentos se quisermos fazer uma Frente Ampla de Esquerda. Já olhei a Carta de Princípios e o Manifesto em ensaios anteriores. Nesta linha, é hora de adentrar no denso Estatuto do PT. Com 60 páginas e 250 artigos, é o equivalente de nosso diploma de conclusão de curso. Diz exatamente qual é nossa profissão de fé. A partir dele, o partido estava pronto para atuar na vida política do país. Estou particularmente interessado desde os ensaios anteriores em responder à pergunta: como a esquerda irá recuperar sua atuação junto às bases? Neste ensaio, o farei a partir de como a esquerda definia os Núcleos de Base, o que queria que fossem e como funcionassem, oferecendo indicações (regras) do que entendo que poderia ter feito. No próximo ensaio, descrevo o que aconteceu com eles ao longo do tempo.
Os Núcleos de Base no Estatuto do PT
Era o que propunha o Estatuto com a seção destinada aos Núcleos de Base. O tema é tratado a partir do Título III, que trata das instâncias partidárias nos níveis nacional, estadual e municipal a partir do Art. 61. É a primeira vez que adentro no texto legal e, portanto, a primeira característica que me chama a atenção é a sua extensão. Como uma seção tão importante conta com apenas quatro artigos? Isso é pouco num universo de 250 e, ainda que fosse contemplado o tema, me parece muito reduzido o conteúdo. O que os artigos dizem? O artigo 61 considera Núcleos de Base os agrupamentos com no mínimo nove filiados organizados por “local de moradia, trabalho, movimento social, categoria profissional, local de estudo, temas, áreas de interesse, atividades afins, tais como grupos temáticos, clubes de discussão, círculos de estudo, coletivos nas redes sociais da internet e outros.” Começou bem. Pode ter núcleo em tudo que é lugar.
O artigo possui três parágrafos. O primeiro diz que os núcleos são também abertos à participação de não filiados [o que é bom], com direito à voz, e que são “instrumentos fundamentais da organização partidária e da atuação do PT nas comunidades e nos setores, e de integração com os movimentos sociais”. O segundo trata de sua organização em âmbito municipal ou setorial e o terceiro diz que os municipais “se articularão com as instâncias de direção correspondentes, e com os respectivos setoriais municipais, estaduais e nacionais” [pronto, ficou ruim].
Falemos primeiro dos aspectos negativos desses parágrafos. Eles fazem uma divisão entre filiados e não filiados porque querem resolver a questão entre quem tem direito à voz e voto, subentendido no parágrafo primeiro. Mas é no terceiro que aparece o exemplo do poder interno do partido, já que estabelece sua articulação com instâncias de direção correspondentes. Leia-se subordinação. Entendo que aqui significa que a estrutura de poder se sobressai à estrutura de organização: o partido deseja ter uma base ampla, mas quer que fique sob o seu controle. É a necessidade de transparência se impondo internamente, quando ainda Byung Chul Han sequer havia feito a análise crítica que dedicou ao tema em seu A Sociedade da Transparência (Relógio d’Água, 2014). A esquerda queria um partido democrático, mas por dentro temia perder o controle, e por isso estabelece hierarquias de comando e visibilidade.
Os aspectos positivos ficam a cargo de dois fatos. O primeiro é o da dispersão dos núcleos e dos temas. Seja no serviço ou em casa, em qualquer lugar eles podem ser formados. O segundo é a natureza: são diversos tipos de grupos, de estudo a passando por clubes de leitura, até grupos via internet, tudo é possível. Quer dizer, enquanto o art. 61 dá com uma mão liberdade, os parágrafos com outra o contradizem e estabelecem instrumentos de controle. Isto me lembra a época da universidade, quando eu estudava temas e autores nos anos 80 que eram mal vistos pela esquerda, como o pós-modernismo. Eles teriam aceitado propostas de grupos de estudos sobre ele? Poder-se-ia fazer estudos sobre pós-modernismo e esquerda ou isso seria ir contra os princípios do partido? É fundamental, no entanto, destacar a característica presente na organização dos núcleos: eles são espaços de discussão e reflexão, basta ver as categorias enumeradas.
Uma proposta de núcleo burocrática
Os núcleos eram uma ótima ideia que foi burocratizada. O artigo 62 trata dos filiados residentes no exterior, que passam a ter autorização para organizar seus núcleos, desde que “vinculados ao Diretório Nacional por meio da Secretaria Nacional de Relações Internacionais.” Estabelece, nos parágrafos seguintes, a burocracia partidária, determinando o tempo mínimo de filiação para votar e sua participação em Encontro de Petistas no Exterior.
Falarei do artigo 64 antes do 63 e após explicarei a razão. É que a burocratização continua no artigo 64, que trata da estrutura do núcleo, com coordenador e secretário, além de poder criar suas comissões específicas. Autogestão nem pensar. O parágrafo primeiro trata das competências do seu coordenador, que são respectivamente “a) informar e atualizar todos os filiados e filiadas sobre políticas, propostas, publicações, materiais e demais iniciativas do Partido; [e] b) viabilizar periodicamente atividades abertas à população.” O parágrafo segundo finaliza a submissão dos núcleos do exterior à instância nacional de direção. Quer dizer, este artigo, assim como parte dos anteriores, revela os limites da concepção organizacional do partido expressas nos núcleos: hierarquia, burocracia, estabelecimentos de controle e limites. Isso transforma os coordenadores de núcleo em meros agentes de comunicação interna, dos níveis superiores à base. A própria ideia de comunicação com a comunidade é limitada, já que eles devem apenas “estabelecer atividades com o público externo de forma periódica”. Esporádica? Hoje, se não houver uma dedicação cotidiana dos núcleos junto às suas comunidades, tudo está perdido.
Vejamos com mais atenção, entretanto, o art. 63. Ele define as funções do Núcleo e foi deixado de lado, pois queríamos enfatizar que a sua organização é vista mais como um elemento da burocracia do partido do que um ente com funções educativas essenciais na comunidade. Seu modelo é a hierarquia do exército, já que em seus itens definem suas funções nos seguintes termos: “a) organizar a ação política dos filiados e das filiadas, segundo a orientação das instâncias de deliberação e direção partidárias, estreitando a ligação do Partido com os movimentos sociais”. Quer dizer, o núcleo não cria nada, só organiza segundo deliberações superiores. Como é possível que um Núcleo de Base sirva apenas para extensão das ideias das lideranças? Depois, em seguida, reconhece sua capacidade de “b) emitir opinião sobre as questões municipais, estaduais e nacionais” desde que, e aí que a porca torce o rabo, de novo, “sejam submetidas a seu exame pelos respectivos órgãos de direção partidária”. E, dentro do que o filósofo Slavoj Zizek definiria como cinismo de esquerda, depois de tudo isso, “c) aprofundar e garantir a democracia interna do Partido dos Trabalhadores”.
O núcleo precisa ser uma escola
Que democracia é essa cara pálida? Que espécie de democracia interna é essa que é construída com base em mecanismos de controle? O que teme o PT? Opiniões da base que entrem em choque com as opiniões das lideranças? Emergência de novos líderes no debate interno e seu reconhecimento pela base? Democracia interna e controle interno não combinam. Ou é democracia, e os seus integrantes têm o direito de expressar sua opinião aos níveis superiores sem o risco de censura, isto é, de veto, ou seu pensamento crítico não emergirá. Entretanto, o que é central, o cultivo do pensamento crítico, fundamental no pensamento de esquerda, é definido no item seguinte: “d) promover a formação política dos militantes, filiados e filiadas”. A formação política é essencial para a vida do Núcleo de Base. É que, na minha concepção, um núcleo é uma escola. Quando eu participei de um núcleo, ele era de debate livre, de estudo. Mas isso era lá nos anos 80. Sequer imaginava que o objetivo, o que estava escrito no regulamento do partido, que era uma instância de controle absoluto. Se o controlavam, eu não percebi. Até porque não existe controle absoluto, certo? No máximo, como assegura o item seguinte, seu lugar é o de “e) sugerir aos órgãos de direção partidária consulta aos demais Núcleos de Base sobre as questões locais, estaduais ou nacionais de interesse do Partido”.
Quer dizer, defendo que a esquerda precisa reforçar urgentemente seus Núcleos de Base. Mas o problema é que no Estatuto sua concepção já nasceu errada para os tempos atuais. Ele não nasce como um espaço de luta social, não nasce como uma escola de formação, nasce como lugar de reprodução das decisões da elite do PT. Lendo o que diz o programa, ele é incapaz de fazer um chamado à ação para as pessoas de uma comunidade. Sequer sugere regras de ativismo que são necessárias para ações que possam envolver as massas no universo político.
Nele, no Estatuto, os Núcleos de Base são pensados para dentro, quando deveria ser o contrário, serem pensados para fora, para as organizações locais e lideranças comunitárias. Que falta faz a pesquisa sobre quem são os líderes das comunidades, que falta fazem ações da esquerda que possam mobilizá-los, que falta fazem movimentos caracterizados por mobilizações rápidas e amplas. Durante a enchente, onde estava à esquerda? Eu vi movimentos rápidos organizados por moradores, por vítimas, o fechamento de ruas, etc. Mas posso estar errado. Mas foi o que vi.
Para voltar ao ativismo presencial
Como conquistar as mentes dos não afiliados com Núcleos de Base? Mesmo com todos os desafios atuais de um mundo conectado via redes sociais, o que o torna mais fragmentado, sou um conservador de esquerda (risos), acho que é preciso investir no velho modo de chamar as massas. É como se precisássemos desaprender o ativismo digital que mais faz superestrelas políticas do que líderes de comunidades. O papel dos núcleos, nesse sentido, seria caminhar para mudanças estruturais através do estudo e conscientização das massas com ações imediatas. Núcleos são organizadores, e nesse sentido, valem as conclusões de Saul Alinsky em suas Regras para radicais (Boitempo, 2024), que inspiram as próximas reflexões.
Há, é claro, muitas diferenças entre o mundo em que se gestou a obra de Alinsky e o atual. A obra, do início dos anos 70, ainda serve para uma geração como a nossa, já que ela diz que “a sociedade que os cercava era “materialista, decadente, burguês em seus valores, arruinada e violenta”. (p. 18), características que muito lembram a nossa. Mas, ao contrário daquela geração que “estava desesperadamente tentando dar algum sentido à vida, e isso fora daquele mundo”, a nossa se contenta em se adaptar e sobreviver a ele. Ao contrário da época de Alinsky, onde a meta “era ter um emprego que pagasse bem”, a da geração atual quer apenas ter um emprego que pode… pagar qualquer coisa! Ambas são gerações que compartilham do negativismo com relação às instituições. Se naquela época, pré-internet, “a juventude é inundada por uma enxurrada de informações e fatos tão avassaladores que faz o mundo parecer uma balbúrdia completa”, imagine o que significa nossa época para a juventude.
Em ambos, eles procuram por “um modo de ida que tenha algum significado ou faça algum sentido” (p. 19). Talvez a diferença geracional entre os militantes da nova e da velha geração, a minha, esteja no fato de que fazer militância era algo presente, enquanto que para os atuais, basta o espaço virtual. Se a “lacuna geracional” de que fala Alinsky se trata de que vislumbram caminhos e objetivos diferentes para atingir, ainda assim, a pergunta sobre “um sentido, um senso para aquilo que o mundo e a vida são” (p. 21) une ambas as gerações ou estou errado? Em algum lugar da mente das novas gerações atribuladas, que buscam sobreviver no trabalho precarizado, deve estar a pergunta “por que estou aqui?”
A passividade foi característica implementada na consciência da geração que está aí: é preciso fazer ressuscitar nela o que está enterrado, a radicalidade, quer dizer, que não há transformação sem ataque radical ao sistema. Alinsky propõe regras que entendo sejam o próprio modo de ser radical, daí sirvam como recomendações estratégicas para a esquerda e para seus núcleos de base. Para isso, ela indica um princípio que é ainda válido para hoje: “a ideia fundamental de que a pessoa tem de se comunicar no âmbito da experiência de seus ouvintes e respeitar plenamente os valores dos demais” (p.22). Para isso, “o humor é essencial, porque por meio dele aceita-se muita coisa que seria rejeitada se fosse apresentada em tom sério”. Você tem de ouvir e respeitar os cidadãos das comunidades que revelam ser de direita: isso não o impede de tentar trazê-los para o seu campo. Se puder fazer piada nesse processo, melhor.
Operar dentro do sistema
Para se movimentar, a esquerda precisa aceitar que o mundo, ao contrário dos anos 80, caminha de braços dados com a direita. Por isso, se a esquerda quiser ressuscitar seus núcleos de base, deve descobrir o modo de se comunicar com as pessoas das comunidades, aquilo que a autora chama de “operar dentro do sistema”. Sei que é muito difícil: minha própria família tem bolsonaristas, e não há um dia em que não retome com eles a discussão do mundo atual, na certeza de que “água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”. Se defendemos a retomada de núcleos, é com a condição de que eles precisam investir para descobrir o que faz com que essas pessoas que se sentem, como diz a autora, “frustradas, derrotadas, perdidas, tão sem futuro no sistema dominante” e não tenham, ao contrário da geração anterior, “vontade de deixar para trás o passado e arriscar a sorte no futuro” (p. 23).
Entendo que o futuro da esquerda depende da visão de futuro que consegue oferecer às massas. Fazer acreditar que podem ter um futuro diverso do presente que está aí. O fato de que as massas já se encontram no espectro da direita significa que a primeira batalha, a da geração dos anos 80, a minha, já foi perdida. Isso talvez tenha acontecido por muitas razões e acrescento, para discussão, a possibilidade de que os Núcleos não utilizaram as melhores táticas disponíveis, nos termos de Alinsky. Ele define tática como “fazer o que se pode com o que se tem” (p.164), que é também a “arte de como tomar e como dar”.
Ela é essencial quando falamos de comunidades pobres que nada têm para dar: o que lhes interessa é como podem fazer para tomar algo de alguém para seu benefício, seja das classes dominantes ou do próprio estado. Quando defendemos o aumento de taxas para os ricos, estamos falando de algo que pode vir em seu benefício; quando falamos em políticas públicas na periferia, idem. Nesse momento, a autora passa a enunciar diversas regras de atuação política, que são também o modo de funcionamento de células – que bem entendo pode ser um Núcleo – que podem ser eficazes para a luta, pois tratam de formas práticas para a retomada do ideal de transformação e o cultivo de valores de solidariedade entre os despossuídos. Que a esquerda possa fazer uma reflexão se servem ou não servem é o objetivo aqui. Se queremos reativar os núcleos de base, se isso ainda for possível, eles devem ter em seu horizonte as seguintes regras para planejar suas atividades. Ela enumera dez regras que vinculo aos núcleos de base para orientar suas ações.
Regra da imagem do poder e do pertencimento
A primeira regra é “o poder não é só o que você tem, mas o que o inimigo pensa que você tem”. Se os pobres não têm dinheiro, o que dá poder aos ricos, eles têm a si próprios como massa: “os que nada têm devem construir seu poder a partir da própria carne e sangue”. A conscientização à maneira antiga passa pela valorização dos movimentos de massa presenciais, fazer frente ao poder pessoalmente, o que a autora denomina de “táticas de massa”. O poder sempre teme a organização física de seus participantes. Essa estratégia antiga nunca morre e a prova está em que as instituições hoje tentam usar de artifícios para reduzir seu poder: não foi assim com a proteção criada no plenário da Câmara Municipal de Porto Alegre para separar suas galerias dos vereadores? Ações devem ser feitas através de manifestações públicas: se uma manifestação é temida, é porque exerce poder.
A segunda regra é “nunca se afaste do campo de experiência de sua gente”. Aqui talvez esteja o erro da esquerda a partir dos anos 2000. Esse afastamento das bases, pela ineficiência atuação de seus núcleos de base ou desaparecimento deles, significou também o afastamento da esquerda dos bairros, das comunidades, onde estavam eleitores sedentos de políticas públicas. Quando o PT se afastou das bases, o resultado foi exatamente o mesmo previsto por Alinsky, “confusão, medo e debandada” (p.164). Para ser um bom núcleo, não pode haver o colapso da comunicação entre a esquerda e suas bases.
Regra do campo e da contradição
A terceira regra é “sempre que possível, afaste-se do campo de experiência do inimigo”. Ora, o problema é justamente esse, que o inimigo, o neoliberalismo, a visão de mercado, a direita, engoliu a quase todos na sociedade. Isso mostra que a experiência do inimigo se tornou vitoriosa. Basta ver a facilidade com que a construção civil implanta sua reforma urbana à custa do meio natural e torna desejáveis grandes espigões ou o êxtase das pessoas pela adoção da visão empreendedora, que é também exploradora de mundo. Se as pessoas acham normal que o mercado explore o mundo, então nunca terão desejo de fugir dele. As atividades propostas por um núcleo devem propor alternativas de ação fora da lógica do capital.
A quarta regra diz “faça com que o inimigo esteja à altura de seu próprio código de regras”, o que significa mostrar à população as contradições do pensamento neoliberal. Em termos de ações de núcleos de base, significa pensar divulgar a ideia de que, se o Capital diz que pode ser a solução de todos os problemas, mostre que eles se agudizam e persistem a partir de exemplos dele próprio. Isso advém de uma característica apontada por Alinsky que é a seguinte: “ele não é capaz de obedecer às próprias regras”, exatamente porque segue o princípio da acumulação ilimitada. Não é exatamente isso que disse Fábio Faccio ao Estadão (25/11), que é difícil repassar os custos de produtos sustentáveis, o que significa que, mesmo com seu discurso cheio de bondade, o mercado sempre vai voltar a investir em suas próprias regras de precificação?
Regra da ironia, do gozo e do tempo
A quinta regra é que diz que “a ridicularização é a arma mais potente do ser humano”. Esta é uma arma da esquerda apropriada pela direita, basta ver o sucesso do “homem do chapéu de palha”. Daí o fato de que, se quiser combater hoje o Capital e a direita, não pode desconsiderar os memes e as piadas como uma arma digna, o que não fazia antes, como fez o deputado Leonel Radhe (PT) durante as eleições municipais com seus vídeos. Essa nova linguagem advém dos tempos de internet e deve ser aprofundada. Não gosto muito de dar força à internet, mas vai fazer o quê?
A sexta regra é “uma boa tática é aquela que seu pessoal aprecia”. Ela funciona não porque a luta social seja uma luta lúdica, mas porque a base da sociabilidade é o encontro que a organização possibilita. Os núcleos de base, ao fazerem as pessoas saírem da frente de seu celular e discutirem, se encontrarem, oferecem um espaço para a vida presente, física, roubada pela vida on-line. Você não apenas discute, elabora uma ação, também se diverte porque é apresentado a um cenário novo e esquecido, a reunião de conspiradores, o grupo que só é possível porque organizado presencialmente.
A sétima regra é “uma tática que se arrasta por tempo demais se torna um entrave”. Isso obriga organizadores de núcleos de esquerda a possuir um cardápio variado de ações, pois a atenção dos grupos é efêmera, por prazo determinado. Felizmente (ou não), sempre haverá uma agenda pela qual lutar, sempre haverá um grupo vitimado pelo qual se solidarizar, da mesma forma como as investidas do Capital sobre o social sempre variam e se ampliam.
Regra da pressão, da ameaça e do confronto
A oitava regra é “mantenha a pressão com táticas e ações diferentes”. Essa regra é interessante porque sugere dinamicidade ao núcleo, que seja capaz de criar seu repertório de ações. Eu me recordo que eu tentava seguir essa regra como servidor público, atuando com ação educativa. Eu estava interessado em atrair professores, minha produção acompanhava seus temas curriculares em datas-chave. Isso possibilitava usar o calendário a meu favor, com as efemérides, por exemplo. Você adquire foco e produtividade.
A nona regra é “a ameaça costuma ser mais aterradora do que a própria ação”, o que significa também, encontre o que produz medo em seu oponente. É uma grande empresa de supermercados que produziu violência contra o negro? Ameace organizar uma greve de consumo; é uma empresa que irá construir um espigão no centro da cidade? Ameace com um abraço simbólico – nada melhor como contrapropaganda. Ações têm efeitos maiores do que os cidadãos imaginam em tempos de redes sociais. Use isso a favor do núcleo.
A décima regra é “se você forçar um lado negativo com firmeza e profundidade suficientes, ele irromperá em seu lado oposto”. É a ideia de que nossos oponentes devem ser confrontados com seus crimes, de que devem ser mostrados seus efeitos. “Numa luta, vale quase tudo”, diz Alinsky. O motivo é o jogo sujo do capital. Você pode atacar com alternativas bem sucedidas, fazendo o inimigo reconhecer o mérito de suas proposições; você pode escolher um alvo e polarizar com ele. Esses são todos aspectos ativos do ato de organizar as massas que um núcleo deve ter clareza. Ou não será núcleo de esquerda. Como os Núcleos de Base e seu notável potencial revolucionário fracassaram e como retomá-los é objeto do próximo ensaio.
Todos os textos de Jorge Barcellos estão AQUI.
Foto da Capa: Gerada por IA.