Hoje eu me orgulho da longevidade de mais de um grupo de WhatsApp de amigos de infância no qual reunimos eleitores de diferentes matizes políticas. Somos sobreviventes da era dos extremos. Nas janelas do smartphone, cabem a polarização e a conversa, quer dizer, nem sempre. Mas o respeito não falta. Em vez de falta de respeito, às vezes, faltam palavras. Para não perder o amigo, o grupo fica quieto por um tempo e depois a pauta muda. Mas, sim, ainda cabem pautas sobre o mundo da política, porque falar sobre política é dialogar sobre a nossa vida.
Nestes grupos estão amigos que eu respeito e admiro não só pelas profissões bem-sucedidas, mas também pelos valores de comunidade que nos unem. Mesmo ali, as discussões pouco mudam voto ou crenças. Isso porque no WhatsApp não estamos discutindo ideias e projetos, estamos nos guiando por sentimentos de antítese. Os aplicativos de mensageiros são canais para o raso, ali cabem recortes, memes, fakes e outros. A boa conversa política passa ao largo.
Os argumentos entram e saem para serem contrapostos, é só o dissenso que tem vez. O consenso pouco espaço encontra nestes tempos de opostos. O consenso depende da boa política. Quem tem tempo para ela no mundo cada vez mais acelerado? Aquela máxima os opostos se atraem nunca esteve tão defasada. Em véspera de eleições, os opostos ou se juram de morte ou silenciam entre si. Um ou outro lúcido há de me lembrar que o WhatsApp jamais poderá ser uma arena de debate público. E eu hei de concordar. Não promove debate, mas converte voto. Milhares de votos, silenciosos e envergonhados votos.
Ponto e vírgula. Saio do WhatsApp e passo a uma reflexão ampliada. A questão é que o silêncio pode ser bastante eloquente. O silêncio esconde posições, às vezes, aponta vazios, outras vezes, encobre maldades. Podemos falar sobre corrupção, se quiserem, ela exige o silêncio. Se os feitos públicos acontecem no sigilo, os malfeitores jamais serão conhecidos, denunciados, julgados. O oposto também é verdadeiro.
As políticas públicas de transparência são pilares da evolução democrática. Quanto mais se conhece o governo, melhor o cidadão formará a sua opinião sobre uma determinada gestão. A cidadania bem-informada tem o potencial de afastar a decisão a favor ou contra uma personalidade apenas pela performance sedutora ou carisma. O cidadão bem-informado é aquele que participa, acessa informação, delibera e não aquele que silencia.
Para que este cidadão se forme em um país como o Brasil, é preciso dar acesso a informação pública. Pode até ser que a média do cidadão não tenha tempo, nem competência, nem paciência para navegar em portais de governo e de transparência ou mesmo pedir uma informação pelo serviço de informação ao cidadão, mas ele poderá ficar sabendo sobre aquilo que jornalistas e outros grupos de interesse trazem à tona. A transparência impulsiona a mediação qualificada da imprensa, imprescindível para uma sociedade democrática.
O potencial de vigilância ou de ser visto por terceiros tem o efeito inibidor na corrupção. Ao saber que pode ser denunciado, o homem público tenderá a agir na correção. Observe o comportamento de qualquer pessoa, mesmo aquelas acima de qualquer suspeita, quando estão sendo filmadas e quando não estão ou não sabem que estão. A consciência do holofote transforma comportamentos pois a pessoa vai querer mostrar a sua melhor versão e não a pior.
No Brasil, uma série de denúncias de corrupção entraram na agenda da sociedade, da mídia e da política na esteira da aprovação da regulação das políticas públicas de transparência. A visibilidade permitiu que diferentes instâncias federais, estaduais e municipais pudessem ser investigadas e, como consequência, a conduta dos gestores e dos eleitos. Portanto, quanto mais transparente um país, maior o potencial de denúncias de malfeitos e corrupção.
Corta para o Brasil 2022. O governo federal desde 2018 adota estratégias de retrocesso para permitir o acesso à informação pública. Utiliza um artigo, o 31 da lei de acesso à informação, que permite o sigilo de 100 anos para negar pedidos de dados sobre os acessos ao Palácio do Planalto, documentos sobre os governantes, sobre a família do presidente Jair Bolsonaro e outros. E não fica só por aí, houve diversas medidas na tentativa de revogar os prazos estabelecidos para as respostas a pedidos de informações, ou atos para encobrir informações sobre a Covid-19 entre outras ações. É a antipolítica de transparência ou a defesa da opacidade do poder.
Então, esta campanha presidencial é sim sobre corrupção. É sobre um projeto de país e futuro que visa jogar luz no que é feito com a coisa pública para que qualquer cidadão interessado possa participar e denunciar pelos meios legais. E uma política que visa encobrir com sombras o que os donos do poder decidem esconder, ancorados em interpretações equivocadas de normas. Só é possível enxergar corrupção em um governo que se deixa ver, não permite o silêncio, não afronta a democracia. Há quem discorde dos lados do espectro político, inclusive. Parte da esquerda diz que a discussão não é sobre corrupção, é sobre modelo de sociedade. O bolsonarismo diz que a corrupção é coisa de esquerda e que “acabou” em quatro anos. A dúvida que paira no ar: a corrupção acabou ou silenciou? Alguém no grupo de WhatsApp saberá responder? Entre perder amigos e perder a voz, eu concluo mais um texto.