Com tanta chuva que alagou a cidade durante esse ano, várias Unidades de Triagem tiveram avarias. Outras ficaram alagadas. O POA Inquieta conseguiu espaços na mídia para chamar a atenção para o problema. Entramos ao vivo no Jornal do Almoço! E, com a colaboração de inquietas e da Apoena Socioambiental, foi lançada a campanha Apoio à Reciclagem – Por melhores condições nas Unidades de Triagem.
Nesta publicação, estamos prestando contas do que recebemos. Queremos agradecer a todos que doaram, colaboraram de alguma forma, pois outras ações acabaram acontecendo como decorrência das interações entre as participantes das iniciativas. Depois disso, o coletivo se envolveu na promoção do abaixo assinado da campanha Coleta Seletiva Viva.
No total, foram doados R$ 4.665,37. No começo, o dinheiro foi empregado em ações emergenciais nas Unidades de Triagem. Vale reforçar que isso se deu devido a pedidos de socorro no grupo de Resíduos, já que a prefeitura da Capital não atendeu aos chamados. As medidas foram tomadas para que o pessoal pudesse trabalhar, já que em alguns casos, nem conseguiam chegar ao seu local de ganha pão.
UTs beneficiadas
O Aterro Zona Norte foi o que recebeu mais ajuda. Até porque é a UT em pior situação da cidade. Fica ao lado do antigo aterro na avenida Severo Dulius, no Sarandi. Primeiro, a campanha doou o valor do aluguel de uma bomba para sugar a água do terreno (R$400,00). Depois, com as colaborações, acabamos conseguindo mais recursos para aquisição de uma motobomba de segunda mão para a UT, mas pela urgência das chuvas, o valor foi usado para alugar novamente bomba, para compra de combustível e outros materiais (R$868,37).
Mas como choveu muito, a UT recebeu apoio do Embapel, com uma doação de uma motobomba usada. Mas nem a bomba foi suficiente para resolver o dia a dia que ficou prejudicado. Por isso, no mês de novembro, o pessoal conseguiu separar e vender menos recicláveis. Cada um recebeu cerca de R$380,00. Por isso, com o dinheiro que ficou da campanha, nosso grupo resolveu comprar cestas básicas para quem trabalha nessa UT. A inquieta Cristina Petry agilizou a compra de 15 cestas básicas e 15 kits de higiene, que foram entregues nessa semana (R$ 2.097,00). A aquisição desses materiais foi possível porque a Kellen, da Apoena, pediu para amigos que quisesse dar algum presente de aniversário para ela, que fizessem doações em dinheiro para a campanha.
A Associação Sepé Tiarajú, localizada na Rua Frederico Mentz, solicitou o conserto do telhado, já que estava entrando água no galpão. A troca de telhas foi custeada com os valores da campanha (R$600,000).
A Associação de Catadores da Cavalhada (Ascat) pediu parte do recurso para fazer a manutenção de uma prensa (R$700,00).
É importante lembrar que essas unidades são prédios da prefeitura de Porto Alegre. Esses prédios e outros tem muitos problemas de manutenção. O que o nosso grupo fez foi insignificante perto das carências que esses trabalhadores vêm passando. Confira os depoimentos de duas inquietas, integrantes do coletivo, que contam sobre a experiência que tiveram esse ano.
O desafio de enfrentar as contradições na prática de cidadania
“O título acima foi a minha motivação para participar da iniciativa da campanha de apoio às Unidades de Triagem de Porto Alegre. Acompanho a coletiva seletiva na cidade desde a sua implementação, tanto como servidora municipal, como moradora e geradora de resíduos.
Ao longo desses anos, identifiquei que a prática de separação de resíduos na fonte é um importante instrumento de educação ambiental para as pessoas. Crianças daquela época aprenderam nas suas casas e nas escolas o que deveria ir para a reciclagem e como isso acontecia na cidade.
A organização dos catadores em associações e cooperativas, com o apoio da gestão municipal na coleta dos resíduos, trouxe dignidade e consciência aos envolvidos: deixamos de ter veículos de tração humana percorrendo as ruas e reciclagem passou a ser uma atividade econômica produtiva.
Nos últimos anos, no entanto, a organização da coleta seletiva vendo sofrendo inúmeros problemas. Alguns de caráter mais geral, como a redução de preços de certos materiais e as dificuldades de logística de alguns produtos, que limitam a reciclagem na cidade.
Outros, mais relacionados à própria organização das cooperativas e associações, com recursos humanos e financeiros limitados e muitas exigências sociais, ambientais e legais. Mas, principalmente, a omissão da gestão municipal, que sendo responsável pelo espaço físico das Unidades de Triagem, não realizou nenhum investimento relevante na manutenção e melhoria das condições de trabalho nesses locais.
Além disso, houve um crescente descaso com a importância da reciclagem na matriz de gestão dos resíduos sólidos da cidade. Mesmo sabendo que ao reciclar se evita que o resíduo seja destinado a um aterro sanitário (e com os custos financeiros daí advindos, relacionados ao transporte e destino final, sem contar o aspecto ambiental), houve uma ação contínua de relegar a atividade das Usinas de Triagem e das pessoas diretamente envolvidas nesse processo, a um limbo de esgotamento.
Neste ano vimos Unidades de Triagem alagadas pelas chuvas, sem condições de trabalho, e sem nenhuma ação da prefeitura para troca de telhas, conserto de equipamentos, bombeamento de terrenos alagados. No entanto, essas UTs foram cobradas e descontadas por não estarem realizando o seu “serviço”. Os caminhões da coleta seletiva continuavam trazendo os resíduos – ninguém na cidade deixou de consumir e produzir material (a maioria, nem sabe onde estão e o que fazem as UT). E nem sabe quem são as pessoas que estão trabalhando nesses locais.
O que também me levou à essa empreitada: saber que a maioria nas associações e cooperativas são mulheres, mães, negras, que trabalham nessa atividade para sustentar suas famílias, criar seus filhos e realizar os seus sonhos também, de forma digna e honesta. E que merecem ter tudo isso, que a própria gestão da cidade não está oferecendo (embora queira o seu trabalho). Por isso, quero contribuir, no que for possível, com quantas pessoas puder, para que possamos superar essas contradições”.
Maria Mercedes Bendati – Bióloga, servidora municipal aposentada, que atuou nas Secretarias de Educação, Saúde e no DMAE por mais de 30 anos. É membro do Comitê de Ética em Pesquisa da SMS de Porto Alegre e da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa. Integrante dos grupos Educação, Resíduos e Sustentável do POA Inquieta.
Aproximação da realidade motiva a transformação
“Estou no POA Inqueta desde 2018, mas somente este ano (2023) que comecei a participar ativamente nas ações do coletivo. Conheci muitas pessoas e muitos projetos, onde pude participar e aprender muito.
Estar envolvida com a campanha das UTs, junto a um grupo incrível de mulheres, me permitiu conhecer essa realidade e a repensar estratégias de melhorias. Perceber o impacto que o descarte dos resíduos tem no meio ambiente e na vida das pessoas me fez refletir sobre questões sociais, econômicas e ambientais.
Infelizmente, as UTs operam em condições precárias. Os trabalhadores tem uma longa jornada de trabalho, salários baixos, falta de equipamentos de proteção e condições de trabalho insalubres.
Portanto, conhecer a realidade das unidades de triagem me permitiu compreender melhor a complexidade desse problema e me motivou a agir de forma mais responsável e consciente em relação ao meio ambiente e às pessoas que dependem desse trabalho tão importante”.
Cristina Petry – Contadora, Consultora e Mentora de Negócios, articuladora do POA Inquieta
“Eu já trabalho assessorando as UTs de Poa por meio do programa Prolata Reciclagem que a Apoena coordena na cidade. A situação das UTs é bastante preocupante porque são de infraestrutura básica, e por falta de manutenção dessas edificações. Estamos por outro lado tentando apoiar o encaminhamento das licenças ambientais e gestão administrativa, além de buscar mais parceiros que possam somar a mudar essa realidade das UTs”.
Joice Pinho Maciel – Doutora em Engenharia Civil/ Sócia-fundadora da Apoena Socioambiental e membro do POA Inquieta/Resíduos.
*Texto de Sílvia Marcuzzo e Maria Mercedes Bendati
Foto da Capa: Joice Maciel