O ano é novo. Recém ancorou. Brindamos a chegada com os rituais das nossas tribos. Brindamos a vida cultivando e ampliando afetos entre risos, lágrimas, saudades, abraços, brincadeiras, danças, com a certeza de que é possível a harmonia. Uma trégua necessária.
Meu brinde foi pela leveza e pela dignidade da vida cotidiana. Quero seguir lutando contra o racismo que nos assoberbou e contra qualquer tipo de discriminação. Quero acessibilidade e inclusão. Quero respeito pelas diferenças. Quero sustentabilidade. Quero educação e saúde de qualidade. Quero acesso à cultura e à arte para cada cidadão/cidadã.
2023 não foi um ano fácil, mas reacendeu a esperança e precisamos torná-la ainda mais brilhante em 2024.
Em nome da minha rebeldia vou seguir buscando o pensamento crítico e a formação de indivíduos livres, responsáveis e éticos. Quero a palavra que nos coloque em sintonia. Quero o olho no olho, o debate a céu aberto, a lucidez, o acolhimento. Quero a humanidade transgressora, libertária, justa e solidária no que tem de mais genuína, diversa e despojada. Quero que os encontros se multipliquem.
Agora, já de olhos bem abertos e pisando firme no novo ano, é impossível não ver que os velhos problemas que nos acompanham há muito tempo nem dormiram. A miséria está escancarada nas ruas e nas portas do comércio em geral. Famílias inteiras atiradas nas calçadas. Bebês dormindo no chão. Crianças pedindo pão e leite ou vendendo pano de prato para ajudar a mãe. Crianças rejeitadas em escolas pela condição física ou mental. Precisamos sair das nossas bolhas em busca de solução. Não podemos passar impunemente por mais um ano de rejeição, abandono e descaso.
Mas enquanto a questão social me inquieta, a classe política trata de aumentar seus salários, benefícios e todo o tipo de mordomias, confirmando, mais uma vez, que só tem olhos para o povo em tempo de eleições. Precisamos combater a hipocrisia dos discursos protocolares cheios de promessas de quem só está no poder para garantir a verba polpuda no final do mês e as regalias, sem olhar para a dura realidade de uma grande parcela da população que trabalha de sol a sol para garantir o pão de cada dia.
Por outro lado, a emergência climática grita. É seca. É chuva em excesso. É rio transbordando. É tempestade. É ventania. É fogo. É desmatamento. Fatos incontestáveis que em 2023 foram avassaladores, causaram a morte de milhares de pessoas e deixaram muita gente sem nada. Como sei que “é impossível levar um barco sem temporais”, como diz a canção “Movimento dos Barcos”, de Jards Macalé, resta juntar forças para agir e seguir remando, encarar o cotidiano, mudar o que precisa ser mudado e manter os barcos em movimento, mesmo que às vezes os horizontes pareçam turvos. De nada vai adiantar “ficar no porto chorando, não”, como canta Macalé. Preciso ser forte, solidária, atenta e estabelecer as comunicações possíveis. Todas as vidas importam, sim!
O combustível das amizades, dos afetos, das boas conversas, das boas leituras, das risadas gostosas, da solidariedade e da esperança me estimula. E essa mistura eu chamo de dignidade, um direito de cada um, em qualquer lugar.