Pessoas vitoriosas!
Essa narrativa propagada nas campanhas de prevenção do câncer necessita de uma nova abordagem.
Falando sobre vitórias e perdas em relação ao câncer, é evidente que pessoas acometidas pelo câncer querem viver. Será que essas pessoas na iminência da morte por câncer são derrotadas?
Qual o conceito de morte empregado na sociedade brasileira? Será que o sofrimento imposto a um paciente terminal é uma derrota ou uma vitória sobre o sofrimento?
Relevante abordar as questões de identidade de gênero no contexto do “Outubro Rosa” e “Novembro Azul”, pois os conteúdos cissexistas das campanhas preventivas, excluem pessoas travestis, mulheres trans, homens trans, pessoas transmasculinas, pessoas não binárias e intersexo.
O racismo institucional é um fator de impedimento da população negra no acesso ao cuidado em oncologia no Brasil. Qual é a cor e a classe social dos que não acessam os exames preventivos contra o câncer de mama, colo do útero, próstata, cavidade oral (boca) e intestino?
As iniquidades no acesso ao diagnóstico precoce do câncer, expõe a população negra a um mau prognóstico em relação à doença. Os estudos epidemiológicos analisam o quesito raça/cor como uma construção social; um produto da história e da cultura humanas, com origens no colonialismo e na escravidão.
O estudo de Jurema Werneck, intitulado Racismo institucional e saúde da população negra, publicado em 2016, concluiu que os grupos vulneráveis estão à margem da saúde e sendo prejudicados no acesso a uma assistência integral e de qualidade.
Há dificuldades relacionadas ao acesso: transporte, cultura, política e serviços públicos e essa decisão de promover essa inclusão é uma decisão de gestores e profissionais da saúde.
Nesse contexto, como podemos dizer que há pessoas vitoriosas? Quem seriam as pessoas perdedoras?
A grande crítica é que a grande perdedora é uma sociedade que valida a produção de iniquidades perpetrada pelo racismo institucional que não oferece atenção integral, que promove dificuldades no acesso aos serviços de saúde, que promove o sofrimento e a morte de pessoas pela cor da pele, gênero e classe social.
O projeto de reconstrução do Brasil tem revelado mazelas do povo pobre, preto e indígena e é urgente que o fortalecimento da democracia invista em medidas para a garantia dos direitos constitucionais de acesso à saúde, educação, segurança pública, assistência e outros pilares fundamentais para a manutenção e recuperação da dignidade humana.
Conforme Sueli Carneiro fala: “Um novo mundo é possível e precisamos lutar por ele.
*Gisele Cristina Tertuliano é Enfermeira, Cientista Social, Doutora em Saúde Coletiva.