Existe um mundo virtual extremamente ativo e prolífico em torno de se gerar, parir e criar um filho. O que até menos de um século atrás era feito em comunidades fechadas, seguindo preceitos e tradições que passavam de geração a geração sem muito questionamento, hoje se dá com compartilhamento de experiências, conhecimentos e neuroses entre mulheres (e pessoas de qualquer gênero que exerçam o papel de mãe) por meio digital. Às vezes, as relações transcendem para os parquinhos e praças do mundo real, mas essa não é a regra. Outro dia, fazendo um levantamento das pessoas que entraram na minha vida por conta do nascimento da minha filha, em 2012, percebi que muitas delas chegaram a mim dessa maneira.
Quem não é mãe provavelmente não tem noção do tamanho e da abrangência dessa imensa rede. Não me refiro apenas às contas de Facebook, Instagram e TikTok em que vemos fotos, gracejos e vídeos dos rebentos, mas ao uso que é feito dessas ferramentas no dia a dia pela mãe que se divide em jornadas duplas ou triplas, com ou sem parceria, com ou sem estrutura de apoio para criar os bebês que botaram no planeta.
Trata-se de uma imensa maioria feminina que se reúne em torno de um conjunto de premissas dentro de grupos do Facebook ou contas específicas do Instagram, principalmente. Parece algo mágico e tranquilo? Pois não é mesmo. Muito tem se falado na romantização da maternidade, mas pouco falamos na romantização da mãe. Ser mãe não melhora ninguém necessariamente. Não é porque é mãe que é santa, educada, equilibrada. Mães, afinal, são (somos) humanas. Ou seja, tudo o que incomoda e causa perturbação em qualquer ajuntamento humano está presente. A fé cega em ideais díspares, o desrespeito à opinião e às escolhas do outro, a pregação, os discursos repetidos à exaustão, o achincalhe do diferente, as piadas ofensivas, as ideias simplistas e de jerico para solucionar problemas complexos. Está tudo lá.
O lado sombrio da aldeia
Esses grupos entraram na minha vida por volta de 2006/2007, quando comecei a saga em torno da batalha contra a infertilidade, ainda na forma de fóruns ou grupos de discussão. Eram os grupos de “tentantes”. Mulheres leigas trocando dicas e truques para engravidar. As sugestões iam desde as mais inofensivas — como ficar com as pernas para cima depois de transar — até as mais absurdas — como usar hormônios para estimular a ovulação, independentemente de ser necessário e sem prescrição médica —, passando pelas indefectíveis orações no melhor estilo “Deus é fiel”, “Deus proverá”, “Entrega na mão de Deus”. Com a gravidez e o nascimento da cria, todo um mundo novo se revela. A gente descobre que existem estilos diferentes de criação de filhos. E que eles estão representados nas redes com uma (des)organização e segmentação de fazer inveja às igrejas evangélicas e aos partidos políticos com todas suas vertentes. Mais uma vez, os confrontos, conflitos e contradições se repetem.
E aquelas que defendem muito ferrenhamente um lado (parto em casa desassistido + amamentação em livre demanda até os 7 anos + enxoval comunitário + sling + criação com apego + alimentação 100% orgânica + quarto montessoriano + escola waldorf + brinquedos de sucata e Palavra Cantada + expressões como “empoderamento”, “sororidade”, “maternagem”, “menas main” + fraldas de pano + algodãozinho com água morna + maizena pra assadura) ou outro (cesárea marcada no dia em que recebe o resultado do exame de gravidez para garantir a equipe de filmagem e o bufê na maternidade + carrinho de bebê último tipo + enxoval em miami/ny + luta pelo direito de fazer cesárea + brinquedos eletrônicos + expressões como “não sou menos mãe por…”, “tem que seguir o que o teu coração mandar” + as melhores fraldas descartáveis + lenços umedecidos + pomada importada para assadura) acabam por vezes assustando a maioria absoluta das mães, que está em busca de algo mais.
Mas nem tudo é espanto
A verdade é que, sabendo procurar e se blindar das maluquices, alguns desses ajuntamentos costumam mais ajudar do que atrapalhar. Radicais e militantes à parte, também estão nesses vários grupos pessoas inteligentes, interessadas, sensíveis e acolhedoras. Gente que está verdadeiramente disposta a aprender, a compartilhar experiências e conhecimento, a mudar de ideia. Pessoas que se propõem a conhecer mais gente e mais visões diferentes das suas, numa busca sincera por uma melhor forma de ser mãe neste mundo.
Foi nesses grupos que aprendi que não existe uma só forma de ser mãe, que não existe uma só forma de amar os próprios filhos — e os filhos dos outros. Ali, descobri que, na hora do desespero, a grande comunidade feminina é uma grande aliada. Outras mães são ótimas ouvintes e conselheiras. Como na vida real, quando os problemas estão sob controle, trocamos receitas, falamos de relacionamentos, vida profissional, feminismo, literatura. E damos boas risadas. Porque, como costumo alertar a minha pré-adolescente quando ela começa a abusar da minha quase infinita boa vontade com ela: mãe também é gente.
Para saber mais:
- Pediatria Radical – Grupo de discussão do Facebook surgido ainda no Orkut, em torno da pediatra Thelma Oliveira, a “Dra. Relva”. Reúne mais de 38 mil pessoas. Em sua apresentação, afirma que “tem a finalidade de interagir e cooperar na busca da saúde integral da criança, por meio do bom senso e do conhecimento das leis da natureza”. Fazem parte das premissas do grupo não fazer propagandas de produtos infantis e de medicamentos, apoiar a amamentação e ser absolutamente contra qualquer tipo de humilhação e castigos físicos. Muitas de suas discussões deram origem a mais de uma edição de O livro da maternagem.
- Pediatria Integral – Perfil do Instagram gerido pelo pediatra e sanitarista carioca Daniel Becker, bastante presente na mídia nacional. O foco do perfil é a defesa da infância e do meio ambiente levando em conta a saúde integral das crianças e suas famílias.
- PsiMama – Na sua conta do Instagram, a psicóloga Nanda Perim compartilha sugestões sobre criação de filhos levando o desenvolvimento neurológico delas em conta e conversa com seguidores nos comentários.
Foto da Capa: Tatiana Syrikova / Pexels