Reprodução do Instagram de Daniel Kondo
Antes de começar este texto, fiz um esforço enorme pensando em como nomear o sentimento oposto da inveja, ou o que seria uma “inveja positiva” – algo totalmente diferente do “misto de desgosto e ódio provocado pelo sucesso ou pelas posses de outrem” ou do “desejo intenso de possuir os bens de alguém ou de usufruir sua felicidade” conforme definido pelo dicionário? Quando a palavra não me ocorreu, apelei para o dicionário de antônimos, que lista 19 termos que seriam o contrário desse sentimento nada nobre: desapego, desinteresse, indiferença, desprendimento, abnegação, altruísmo, desapegamento, desafeição, desprezo, desamor, despego, desambição, renúncia, generosidade, magnanimidade, caridade, humanitarismo, largueza, dadivosidade. Nada disso, porém, exprime com precisão o tema da coluna de hoje: aquele calorzinho bom que sentimos por dentro quando vemos alguém de quem gostamos muito tendo sucesso ou vivendo uma grande alegria, o que acaba nos fazendo sentir bem também.
As redes sociais que nos permitem acompanhar as trajetórias de celebridades e também de pessoas que nos são caras são uma fonte constante de ambos os sentimentos. E ainda que muito se fale sobre o tanto de angústia que se comparar com estranhos que desfilam instantâneos editados de suas existências pode causar, a verdade é que, se mudarmos nossa forma de olhar (e para quem olhamos), isso pode também ser fonte constante desse contentamento que estou tentando definir sem sucesso. E embora a sensação passe por admiração, nenhum dos 27 sentidos listados no dicionário online de sinônimos abarca satisfatoriamente o que descrevo como alegria de pegar carona na alegria alheia.
Há algumas semanas, tive um pouco disso indo ao cinema ver a atriz Bruna Marquezine fazendo sucesso em um blockbuster de Hollywood. Vivemos em mundos absolutamente apartados, mas, ainda assim, foi inevitável sentir uma pontadinha de participação naquela conquista, lembrando dela pequenininha em novelas da Globo. Por outro lado, quando vemos pessoas que conhecemos quando ainda estavam começando ou nem sequer imaginavam para onde o mundo as levaria realizando coisas bacanas, essa faceirice fugaz vem misturada com um orgulho de podermos nos gabar com um “é meu amigo”. É um entusiasmo de fã, mas com um algo a mais.
Ainda que sermos eventualmente dominados pela inveja, ou pela raiva, seja inevitável, podemos combatê-las voltando o foco para coisas melhores. Se você ainda não pratica essa busca por fontes de entusiasmo na vida de pessoas da sua rede de relacionamentos, recomendo fortemente. A seguir, menciono quatro exemplos disso no meu entorno, mas adianto que é uma lista difícil de esgotar.
- Um dos melhores livros que li nos últimos tempos, A maldição das flores, é o primeiro romance adulto da carioca Angélica Lopes. Volta e meia vejo por aí um elogio merecidíssimo a esse livro que tanto me encantou e que já indiquei (e presenteei) a várias pessoas, e meu coração se enche de orgulho por ter a autora entre minhas amigas queridas.
- Em breve, vai ser inaugurado no segundo andar do Mercado Público de Porto Alegre mais um café comandado pelo Guert Schinke e a Caroline Borges. Os dois são responsáveis pela Baden Torrefação, negócio que vi nascer e cujo justo reconhecimento testemunho se ampliar de maneira constante. Hoje, eles são referência em cafés especiais na cidade, e eu não caibo em mim diante de cada sucesso e de menções à qualidade do que fazem.
- No Instagram, vejo registros dos chiquérrimos e criativos Daniel Kondo e Adriana Fernandes, junto com amada Julia, do outro lado do Atlântico, na inauguração da exposição em Roma com os trabalhos do Daniel que transformaram em arte visual a arte musical do gigante Gilberto Gil. E quando eu lembro que o Daniel é um dos parceiros voluntários mais ativos do site AmaJazz, que tem muitos dedos meus, o calorzinho no peito vira um calorzão.
- Há poucos dias, a Larissa Magrisso, que conheci no começo do século recém-formada em jornalismo, foi estrela de uma reportagem do Projeto Draft sobre a ideia deliciosa que está desenvolvendo com amigas e sócias e que foi tema da minha coluna de 25 de maio passado: o Lúcidas, que de lá para cá vem crescendo lindamente.
Enquanto escrevia os quatro exemplos acima, percebi que histórias que me provocam a sensação têm sido tantas e tão frequentes que eu seria capaz de tornar este o tema de todas as colunas futuras. Em tempos tão pesados e cheios de ódios, desafetos e incertezas locais e globais, é um alento ter queridos nos emprestando, na maioria das vezes sem saber, suas alegrias.
E então? Que nome damos a isso? Respostas, neste guichê.