Como salientei nos artigos publicados nos dias 07 de julho e 14 de agosto, leilões podem ser muito bons para a compra de um imóvel. Os preços finais costumam ser vantajosos e, em alguns casos, pode haver uma redução considerável. Há quem diga que essa diminuição no preço fique em torno de 20% (vinte por cento), mas não podemos esquecer que na conta final do custo total a ser suportado pelos compradores, deve se levar em conta a comissão do leiloeiro, o ITBI, sem falar que, não raro, esses imóveis necessitam de reformas gerando outras despesas que podem ser altas dependendo das condições do imóvel.
Nem sempre as coisas ocorrem como esperado e os problemas decorrentes de uma aquisição por meio de leilão judicial podem ser bem chatos. Alguns dos mais comuns e que, portanto, são riscos que devem ser considerados pelos compradores são:
– O risco de haver a anulação do leilão por algum problema no processo que autorizou a venda, ou até mesmo em razão do descumprimento de alguma obrigação legal. Isso pode ter como consequência longas e caras batalhas judiciais, que acabam impossibilitando o uso do imóvel e o ressarcimento dos valores pagos pelo comprador
– O leilão também pode ser anulado se o imóvel for vendido com preço vil. Preço vil é aquele inferior ao valor mínimo fixado pelo juiz, ou inferior a metade do valor do imóvel quando o juiz não tiver fixado o valor mínimo.
– O proprietário do imóvel vendido por ter outras dívidas além daquelas que autorizaram o leilão, e sobre ele recair novo leilão, em alguns casos;
– O imóvel pode ser penhorado para o pagamento de dívidas condominiais, tributárias, ou de outros débitos do antigo vendedor que recaiam sobre ele. Vale salientar que as dívidas condominiais e de IPTU são consideradas obrigações “propter rem”, isto é, obrigação própria da coisa, do imóvel.
A este passo, vale transcrever entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que considera que o IPTU é uma obrigação do próprio imóvel e que, desse modo, ainda que vendida a coisa, a dívida permanece e deve ser suportada pelo novo proprietário.
“O Min. Relator salientou que a obrigação tributária real é propter rem, por isso o IPTU incide sobre o imóvel (art. 130 do CTN). Ainda que alienada a coisa litigiosa, é lícita a substituição das partes (art. 42, do CPC), preceito que se aplica à execução fiscal, em cujo procedimento há regra expressa de alteração da inicial, qual a de que é lícito substituir a CDA dantes do advento da sentença. O IPTU tem como contribuinte o novo proprietário (art. 34 do CTN), porquanto se consubstanciou a responsabilidade tributária por sucessão, em que a relação jurídica-tributária deslocou-se do predecessor ao adquirente…. (Resp 840.623-BA, Rel. Ministro Luiz Fux…”
– Pode haver problemas nos registros que acarretariam a também a nulidade do leilão;
– O imóvel pode ter sido invadido ou estar ameaçado de invasão, pode haver comodatários ou locatários que nele residam ou trabalhem, e nem sempre é fácil conseguir que o imóvel seja finalmente desocupado. Isso pode acarretar até mesmo em demoradas e caras pendengas judiciais;
Nessas circunstâncias, é muito importante que os interessados peçam para um advogado examinar o edital e também pesquisem se os antigos proprietários têm outros processos ou dívidas. Se houver qualquer ressalva no edital ou se o comprador tiver prévia ciência de tais dívidas, sinal amarelo quase vermelho. A situação merece ser analisada cuidadosamente. Nesse caso, o imóvel poderá ser usado para o pagamento de tais dívidas. Todavia, se no edital não for feita nenhuma ressalva, o risco é bem menor, porém existente, se por outra forma os interessados ficaram cientes das despesas condominiais aderidas ao imóvel, e podiam, a seu critério, ter desistido de participar do leilão.
Embora por outro meio, foi atingida a finalidade de informar antecipadamente os interessados sobre as despesas condominiais aderidas ao imóvel, dando-lhes a oportunidade de, a seu critério, desistir da participação na hasta pública
Veja-se o posicionamento do STJ nos seguintes julgamentos:
“AGRAVO INTERNO EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. TAXAS CONDOMINIAIS. HASTA PÚBLICA. ARREMATAÇÃO DO IMÓVEL. EXISTÊNCIA DE DÍVIDA CONDOMINIAL. PERÍODO ANTERIOR À ARREMATAÇÃO. DÉBITOS CONDOMINIAIS NÃO ESPECIFICADOS NO EDITAL DE PRACEAMENTO. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DO ARREMATANTE. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. PRESSUPOSTOS NÃO CONFIGURADOS. PRETENSÃO RECURSAL. VIOLAÇÃO DE LEI FEDERAL. SÚMULAS 5 E 7 DO STJ. INCIDÊNCIA. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL PREJUDICADO. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
- O exame da pretensão recursal de reforma do acórdão recorrido exigiria a alteração das premissas fático-probatórias estabelecidas pelo acórdão e a reinterpretação de cláusulas contratuais, o que é vedado em sede de recurso especial, nos termos dos enunciados das Súmulas 5 e 7 do STJ. Dissídio prejudicado.
- Agravo interno não providao. (AgInt nos EDcl no AREsp n. 1.996.240/SC, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 23/6/2022, DJe de 28/6/2022.)”
“AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA DE TAXAS CONDOMINIAIS. EDITAL. OBRIGAÇÃO PROPTER REM. VIOLAÇÃO DO ART. 1.022 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. ARREMATAÇÃO DE IMÓVEL EM HASTA PÚBLICA. PREVISÃO NO EDITAL. DÍVIDAS CONDOMINAIS. OMISSÃO. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA N. 7 DO STJ. ALÍNEA C DO PERMISSIVO CONSTITUCIONAL. ANÁLISE PREJUDICADA. FUNDAMENTO SUFICIENTE NÃO IMPUGNADO. SÚMULA N. 283 DO STF. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.
….
- Embora as cotas condominiais constituam obrigação propter rem, o arrematante de imóvel em hasta pública não será responsável pelo pagamento das dívidas condominiais pendentes se o edital for omisso a respeito dos débitos anteriores à praça ou se nele não houver informações relevantes sobre o débito condominial.
- Rever a conclusão do tribunal a quo de que não teria ficado claro no edital que as dívidas condominiais seriam de responsabilidade do arrematante demanda reexame de fatos e provas, o que é vedado em recurso especial, nos termos da Súmula nº 7 do STJ.”
“RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. ARREMATAÇÃO DE IMÓVEL. DÉBITOS CONDOMINIAIS NÃO INFORMADOS NO EDITAL DE PRAÇA. INEQUÍVOCA CIÊNCIA DOS PARTICIPANTES POR OUTRO MEIO. RESPONSABILIDADE DO ARREMATANTE. JULGAMENTO: CPC/73.
- Ação de execução fiscal ajuizada em 1998, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 05/02/2015 e redistribuído ao gabinete em 15/05/2018.
- O propósito recursal é dizer sobre a negativa de prestação jurisdicional e sobre a responsabilidade do arrematante do imóvel por débitos condominiais pendentes, não informados no edital.
- A obrigação dos condôminos de contribuir com as despesas relacionadas à manutenção da coisa comum qualifica-se como obrigação propter rem, sendo, portanto, garantida pelo próprio imóvel que deu origem à dívida, estendendo-se, inclusive, ao adquirente da coisa em hasta pública.”
- A publicidade da hasta pública se justifica, de um lado, porque ao Estado não é dado escolher o adquirente, mas promover a alienação a quem der o maior lanço, e, de outro lado, porque todos os interessados devem ser prévia e claramente informados sobre eventuais obrigações vinculadas ao bem, que possam lhes ser transmitidas a partir da arrematação.
- Em princípio, não havendo ressalvas no edital de praça, não pode ser atribuída ao arrematante a responsabilidade pelo pagamento das despesascondominiais anteriores à alienação judicial.
6. Hipótese em que o Tribunal de origem consignou, a despeito da omissão do edital, que, por determinação judicial, todos os participantes tiveram ciência inequívoca da pendência de débitos de condomínio antes da arrematação. “ - Se, embora por outro meio, foi atingida a finalidade de informar antecipadamente os interessados sobre as despesas condominiais aderidas ao imóvel, dando-lhes a oportunidade de, a seu critério, desistir da participação na hasta pública, não soa razoável declarar a nulidade da arrematação e do respectivo edital apenas para privilegiar a formalidade em detrimento do fim a que se destina a norma.
- Recurso especial conhecido e desprovido. REsp 1523696/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 26/02/2019, DJe 01/03/2019)”
Espero que esses artigos sobre os leilões lhe tenham sido úteis. A minha intenção com eles foi apenas fazer alguns esclarecimentos, para que as pessoas tenham segurança para comprar imóveis nessas condições, o que pode ser um ótimo negócio.
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