“Não importa que um gato seja vermelho ou branco; o que importa é que ele realmente cace ratos”.
Deng Xiaoping, líder chinês, 1978.
Em recente palestra de conhecida escritora, dirigida a jovens empresários, um assistente perguntou quais os resultados práticos da literatura. A arguta palestrante respondeu que na pergunta estava implícita a ideia de que a literatura não servia para nada.
Com o mesmo espírito, os teóricos neoliberais dizem que as novas ideias econômicas devem ser aceitas sem as objeções de ultrapassadas teorias econômicas. E novas ideias, “são as que dão resultados práticos” e devem ser aceitas a priori, pois são o resultado do novo capitalismo globalizado de inquestionável sucesso (e, digo, também de notável insucesso). Se, por exemplo, se empregam verbas em educação e saúde, estas “não dão resultados práticos” já que não ensejam condições de rentabilidade financeira imediata. Daí se explicam as escassas dotações orçamentárias para estes setores e os baixos salários de seus praticantes, professores e profissionais da medicina. O mesmo é dito a respeito das leis de proteção social do antigo e esquecido capitalismo keynesiano.
Em semelhante raciocínio, se enquadra a conhecida definição de política como “a arte do possível”, pois em nome de sua praticidade tudo acaba sendo permitido. A política autêntica é exatamente o contrário. Esta deveria ser “a arte do impossível” caso os políticos empregassem todos seus esforços para mudar os parâmetros do que se considera possível na constelação ética do capitalismo atual.
A arte de se conseguir o possível é filosofia de lupanar e caminho aberto para a corrupção. O “possível” dos políticos tem que ter um limite e este é a recusa em se comprometer in totum com um partido, com um dirigente, com magnatas das mídias, com o lobismo empresarial. E a resposta de um político autêntico deveria ser: “A prática que Vossa Excelência me pede é possível, mas imoral e, sendo assim, não posso executá-la “.
A História nos mostra que, quando é eliminada a visão que os políticos deveriam ter dos objetivos “impossíveis” (saúde, educação, justas leis sociais) e apenas optam pelos “possíveis”, também é eliminado o espaço de contestação no qual os excluídos do processo econômico poderiam atuar. E quando um parlamentar, praticante da “arte do possível”, afirma que seus adversários são “uma raça da qual devemos nos livrar”, ele prega uma velha fórmula de exclusão social que é, entre outras coisas, a suspensão de uma autêntica atuação política.
Limitando-se apenas à atuação política cínica e impotente do “possível” são praticadas duas formas de violência: a violência estrutural (e não apenas conjuntural), inerente às condições sociais do capitalismo global a qual exclui economicamente dois terços da população mundial e a violência crescente dos novos fundamentalistas étnicos e religiosos (na verdade, racistas).
E esta é, infelizmente, uma condição mundial, globalizada, pois se até um líder do maior país (ex) comunista do mundo profere a sentença aposta à epígrafe deste texto, temos que voltar a ler O Guia dos Perplexos do velho e sábio médico-filósofo Moses Ben Maimon, o Maimônides (1135-1204).
Franklin Cunha é médico e membro da Academia Rio-Grandense de Letras
Foto da Capa: Agência Brasil Mais textos da Zona Livre: Clique Aqui.