O criador do detetive Sherlock Holmes, como sabemos, foi o médico inglês Dr. Arthur Conan Doyle (1859-1930). Seu amigo e assistente, foi o Dr. John Hamish Watson, personagem de ficção o qual acompanhava as façanhas do arguto personagem, descritas com um estilo intrigante pelo famoso escritor, que provou ser extremamente talentoso nas artes da literatura.
Por ser médico, Conan Doyle empregava rigorosamente o método da semiologia médica ao desvendar obscuros casos de assassinatos. A partir de sinais e sintomas, adicionados de perspicazes observações e paixão pela justiça, chegava sempre ao autor do crime. Munido apenas com uma lupa, ao detectar um fio de cabelo no espaldar de uma poltrona, cinzas de charutos no tapete, uma palavra ou expressão facial do investigado, era tudo o que Conan Doyle necessitava para chegar às suas brilhantes e acertadas conclusões. E sem o coice na porta, a invasão de domicílio, a tortura e a arma de fogo..
O aspecto pouco observado nos contos de Conan Doyle é a fina ironia que ele exerce ao ter como assistente de investigações exatamente o Dr. Watson, um médico que não entendia o semiótico raciocínio investigativo de seu chefe. Pronunciada desdenhosamente a conhecida frase “elementar meu caro Watson”, ela talvez fosse endereçada a certos médicos de sua época que elaboravam diagnósticos equivocados e prescreviam terapêuticas inúteis.
Discute-se atualmente se, para se detectar doenças na prática médica diária, são sempre indispensáveis e fundamentais as sofisticadas tecnologias de múltiplos exames laboratoriais acrescidos de refinadas imagens radiológicas, ecográficas, tomográficas, cintilográficas, de ressonâncias magnéticas e outras. Sob o ponto de vista do médico, todas são esclarecedoras e confortáveis, pois nos poucos minutos que sobram para o paciente o diagnóstico quase sempre é correto. Mas para o lado das inseguras e atemorizadas pessoas que procuram algo além da bateria de exames, tais como tempo para falar, expressar suas angústias, contar sua vida e de sua família, perceber que para eles são dispostos olhares e ouvidos amorosos, a tecnologia sofisticada ergue um muro entre o médico e quem o procura, de forma a interromper o indispensável relacionamento médico-paciente-médico, este sim fundamental no exercício da arte médica. É, portanto, urgente que se reformule todo o procedimento da cura de doenças e de doentes e também da manutenção da saúde, principalmente das populações pobres do país.
Para Conan Doyle, apenas uma lupa e sua paixão pela justiça eram suficientes para desvendar um crime. Para o médico, um exame clínico, o afeto e o respeito ao paciente no exercício da arte médica são condições pontuais e necessárias para se cumprir o que Maimônides há mais de mil anos nos ensinou:
“Ao paciente deve-se dedicar uma hora: quinze minutos para examinar-lhe o corpo e quarenta e cinco minutos para sondar-lhe a alma “.
*Franklin Cunha é médico e membro da Academia Rio-Grandense de Letras
Foto da Capa: Divulgação
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