Serendipity é uma palavra inglesa de origem muito interessante. Em português, é conhecida como serendipidade, ato ou capacidade de descobrir coisas boas ao acaso, sem qualquer previsão. Uma circunstância feliz, agradável casualidade.
O termo foi criado no século XVI por Horace Walpole (1717-1797), aristocrata e romancista inglês, criador do romance gótico. A palavra teria sido retirada de um conto chamado Os três príncipes de Serendip, personagens que faziam descobertas acidentais, tropeçando em achados maravilhosos por conta do acaso.
Uma ilha tropical ao sul da Índia, Serendip, assim chamada por mercadores árabes que faziam comércio marítimo, era um lugar onde alguns religiosos acreditavam que teria sido morada de Adão e Eva após serem expulsos do paraíso. Uma espécie de outro Jardim do Éden, também conhecido por Ceilão (como não lembrar de Yul Brynner e Deborah Kerr em O Rei e Eu). Hoje é uma nação independente, o Sri Lanka.
Parto de uma situação absolutamente desimportante para a imensíssima maioria da humanidade, mas me agarro na possibilidade de que a curiosidade de onde essa crônica vai dar mantenha a vossa atenção, caríssimo leitor. Não foram três príncipes árabes, mas nos esforçamos.
Assembleia Geral da Sociedade Brasileira de Reumatologia – SBR, realizada no dia 19 de setembro de 2024, na cidade de Belo Horizonte, durante o Congresso anual de nossa especialidade médica. Na condição de ex-presidente da instituição, fui indicado para presidir a assembleia. Marcava-se o final de uma gestão na direção da entidade, e estavam comigo à mesa: o secretário-geral, o xará Fernando Augusto Chiuchetta, e o presidente da SBR que apresentaria seu relatório, Marco Antonio da Rocha Loures, ambos do Paraná. Representantes de uma gestão profícua. E também amigos que prezo.
Toda a liturgia da reunião aconteceu de forma tranquila, amena, agradável até. Muito diferente de tantas outras, não por qualquer característica bélica de nossa instituição, mas porque assembleias, assim como reuniões de condomínios, em geral são palco de destemperos.
Pode haver muitas razões para o sucesso de uma atividade dessas, cordialidade e alguma experiência na condução, dados bem apresentados, confiáveis e com bom resultado. Mas há também o que podemos definir como serendipidade. A conjunção de acasos que faz descobrir coisas boas. A coincidência inesperada que provoca graça e poesia. Uma forma de ver a existência, com sabedoria e espírito desarmado.
Ao término da assembleia, ao nos darmos as mãos em cumprimento, a resposta. Deparamo-nos os três, com três dedos, cada qual com um dos seus ostentando a unha preta. Uma espécie de códice, entre príncipes distraídos que nos dias anteriores haviam fechado portas com a tolice de um momentâneo gesto de esquecer o dedo entre a dita e o baque infeliz.
Conseguimos fazer daquela assembleia um exemplo histórico de civilidade, mas que não nos animássemos com a glória da performance e da aclamação, ainda somos humanos e momentos de patetice fazem parte de nossas trajetórias. Se a coincidência das unhas pretas em comum não é bem um acaso que lembra felicidade – o melhor conceito de serendipidade -, fez-nos rir.
A descoberta maravilhosa talvez seja essa. A de encontrar humor e tentar transformar a vida em algo menos pesado, mesmo mantendo o respeito e o formalismo imposto pelas atividades sérias. Isso também pode ser um outro nome da poesia.
Faz lembrar o poeta e também médico americano William Carlos Williams (1883-1963): “Novidades em poemas, isso é difícil de obter, no entanto, homens morrem miseravelmente a cada dia, pela falta do que ali se encontra.”
Foto da Capa: Acervo do Autor.
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