Só se fala sobre Barbie, e todo mundo teve, tem ou quer ter uma opinião a respeito do filme da Greta Gerwig sobre a boneca da Mattel e o seu universo. Ainda não assisti ao filme e depois de tantos que escreveram, nem sei se terei algo a falar sobre ele. Mas entre tantos textos que li, um dos que me chamou atenção foi o da empresa inglesa Taking Care , que realizou um exercício apresentando com imagens em AI (inteligência artificial) como seria na vida real a Barbie nos dias atuais. Se você não sabia, enquanto muitos imaginam a Barbie como uma garota que nunca envelhece, na verdade ela já é uma senhora de 83 anos, pois sua estreia ocorreu em 1959 em lojas de brinquedos, com a idade declarada de 19 anos. E como seria a vida dessa mulher octogenária?
Velhice é consequência
Conforme as previsões dos especialistas da Taking Care, a preferência da Barbie pelo uso diário de saltos altos por décadas, provocou complicações de saúde duradouras. Fez com que ela desenvolvesse fascite plantar, que causa inflamação no pé e dor aguda no calcanhar, também com que os músculos das pernas se contraíssem, adicionando pressão extra à região lombar, causando dores. A velhice contribuiu para a visão deficiente da Barbie. Ela não pode mais dirigir seu fusca. A senhora de 83 anos também desenvolveu catarata – uma condição que causa sensibilidade à luz e resultou no uso de óculos escuros em ambientes fechados. Aos 83 anos, com base nas estatísticas inglesas, a Barbie terá sofrido 5-6 quedas nos últimos anos. Estudos ingleses mostram que adultos com mais de 80 anos têm uma chance em duas de ter, pelo menos, uma queda a cada ano. Revelam que uma em cada cinco quedas sofridas por pessoas nessa faixa etária resultam em visitas hospitalares. Então é altamente provável que a Barbie, a essa altura da vida, a Barbie também já tenha recebido cuidados hospitalares.
Nesse esforço premonitório, já que a longevidade feminina é maior do que a masculina, ela é retratada solitária e triste, por conta do luto pela perda do seu companheiro Ken. A Barbie não teve filhos. No Brasil, assim como na maior parte de outros países, os cuidadores de pais idosos são os familiares, em especial as filhas, então é muito possível que a Barbie precise ser acolhida em alguma instituição de longa permanência.
Por último, projetam que a Barbie apresentará um quadro demencial, por isso criaram uma imagem em que ela aparece com uma expressão esvaziada, típica de quem atravessa por essa condição.
O convite que recebo – Parte 1 – Jovencentrismo
Achei muito interessante esse exercício de envelhecimento da Barbie, especialmente quando feito num símbolo de beleza feminino no qual muitas de nós, mulheres, fomos educadas a idealizar. Vejam que, nas imagens criadas pela AI, a Barbie não foi “embotocada” ou “reparada”, entre tantas possibilidades de procedimentos estéticos, talvez, esperados por nós que ela realizasse ao longo do seu envelhecimento, como uma personagem de eterna juventude e beleza padrão. Preferiram projetá-la sem retoques, com rugas ao redor dos olhos e na região do pescoço, cabelos brancos e “bigode chinês” acentuado.
Na cultura jovencêntrica na qual vivemos, quando ainda somos pressionadas a acreditar que a juventude é a mais bela fase da vida, e que manter-se “jovial”, com o corpo tonificado e cheio de colágeno é o “ideal”. Essa provocação de mostrar a Barbie sem medo de envelhecer eu percebo como um convite pra se rebelar contra essa (o)pressão.
O convite que recebo – Parte 2 – Finitude
Quando até a Barbie envelhece, percebo um ótimo convite para que possamos naturalizar cada vez mais a conversa sobre a finitude.
O curso da vida começa com o nascimento e se encerra com a morte. A velhice é a última e maior fase da nossa vida, como em nenhuma outra também, significa lidar com a nossa finitude e o declínio normal do nosso corpo que advém com o envelhecimento. Mesmo que tenhamos uma genética maravilhosa, mesmo que façamos um programa com diferentes atividades e disciplina rigorosa, mesmo que sigamos uma dieta alimentar personalizada e tudo o mais que a tecnologia e a ciência possam nos alcançar, o nosso organismo um dia vai começar a declinar e a gente vai morrer. Aprender a lidar com a falta de controle sobre a morte dirá muito sobre nossa possiblidade de ser feliz perante a vida.
O convite que recebo – Parte 3 – As limitações
Conforme as previsões da empresa Taking Care, aos 83 anos a Barbie será uma senhora com diversas limitações e uma condição de demência em andamento. Isso me traz um convite para pensar sobre como é viver com dependências.
Conforme estudo com pessoas idosas dependentes brasileiras feito pela professora Maria Cecilia de Souza Minayo, Pesquisadora Emérita da FIOCRUZ, foi encontrada a prevalência de 30.1% de pelo menos uma limitação para as atividades da vida diária (exemplo: cozinhar, lavar louça, lavar roupa, arrumar a cama, varrer a casa, passar roupas, usar o telefone, escrever, manipular livros, sentar-se na cama, transferir-se de um lugar ao outro). Destes, 43% entre os analfabetos; 29% entre os que tinham instrução primária e 13,8 % entre as pessoas com formação superior.
Uma das conclusões deste mesmo Estudo foi a que pessoas idosas pobres acumulam mais doenças ao longo da vida, pois desempenharam atividades laborais insalubres, possuem hábitos de vida prejudiciais e hoje têm menos acesso aos serviços de saúde. Infelizmente, recebem menos ajuda e são os mais vulneráveis.
Espero que você concorde comigo de que esses dados nos apontam para a necessidade de educação para longevidade e de melhores e mais acesso às políticas públicas. Se investíssemos nisso, imagina a qualidade de vida que seria proporcionada para as pessoas (as idosas e todos os familiares que cuidam delas) e a grana que seria economizada pelas famílias e para o Estado (menos pessoas doentes significa menos despesas, correto? E mais gente e mais tempo para o trabalho, pela lógica capitalista).
Em 2021, a Confederação Nacional dos Dirigentes Lojistas (CNDL) e o SPC, realizaram uma pesquisa e perguntaram qual era o maior medo das pessoas 60+. Elas responderam que o maior medo era o de ficar doente e depender de terceiros para tudo (42%). Conectando com os resultados da professora citados acima, imagino que esse seja um pensamento comum por conta de que, no geral, as pessoas unem o envelhecimento ao adoecimento. Mas, como demonstrado pelo estudo, fatores socioeconômicos, educação e acesso as políticas públicas é que estão ligados a maior incidência de idosos dependentes. Velhice não é sinônimo de doença.
Ainda sobre esse convite à reflexão, lembro do prognóstico de solidão da Barbie, que ficou sem o Ken e nenhum outro familiar para cuidá-la. No Brasil, conforme o trabalho realizado pela professora Minayo: 360 mil brasileiros idosos dependentes não têm ninguém para apoiá-los. Quem irá fazê-lo? Uma pergunta sem resposta pela falta de uma política pública (olha aí de novo!) para acolhê-los. Todos em uma situação de absoluta vulnerabilidade.
Mas, assinala-se que moradias unipessoais são tendência. Conforme o último Censo, entre as mulheres que moram sozinhas, quase 60% tem mais de 60 anos. Na faixa dos homens idosos, o índice é de 29,2%, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). então, preparemo-nos!
O convite que recebo – Parte 4 – O Futuro é Agora
Assim como o uso dos famosos saltos se transformaram na fascite plantar da Barbie, te convido a pensar no que você está fazendo agora que irá refletir no seu futuro,
Sempre é importante lembrar: Envelhecimento é processo, ocorre ao longo da vida. O que fazemos no presente refletirá no amanhã. É preciso conhecer-se, (re)conhecer o processo físico, biológico, psicológico, sociológico pelo qual passamos com o envelhecimento. Informação é poder. Quando um filho vai nascer, pai, mãe e familiares fazem curso, oficinas, compram livros sobre parentalidade, economiza-se para os gastos com o bebê, compram enxoval e equipamentos especiais. Conforme a necessidade, contratam-se profissionais para essa fase da vida: obstetra, pediatra, otorrino pediatra, neuro Pediatra, pneumo Pediatra…Entende-se que é necessário aprender, conhecer e investir para o melhor cuidado da criança.
Por que não nos preparamos da mesma maneira para o nosso envelhecimento e velhice, que vem a ser a maior fase da vida?
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