O Governo federal recebeu o recado. E de imediato soltou as máscaras de oxigênio antes de o jato ir à pique. Só na terça-feira da semana passada, o governo empenhou um total de R$ 712 milhões em emendas de congressistas. Nos 128 dias anteriores, havia empenhado R$ 486 milhões. Cerca de R$ 1,15 bilhão da verba da cota individual dos parlamentares foi empenhado nesta semana. No restante do ano, o valor ainda não havia atingido R$ 200 milhões. A gestão petista ainda planeja começar a desembolsar, nas próximas semanas, recursos referentes às antigas emendas do relator de R$ 9,85 bilhões. E já estão em processo de nomeações centenas de cargos públicos de segundo, terceiro e quarto escalões em ministérios, estatais e empresas públicas.
O dado é o mais atualizado no Painel de Emendas do Siga Brasil, do Senado. A liberação é parte do esforço do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para reorganizar sua base aliada e assegurar a aprovação do marco fiscal. Os passageiros respiram aliviados e iniciam, imediatamente, um processo de recomposição. Tudo moeda, tudo troca.
Não é que o Orçamento Secreto, malfadado e malfalado, sobreviva. Ele mudou. Metamorfoseou-se e ficou à altura do antigo, atendendo a mesma clientela parlamentar de antes com a mesma verba, a pública.
Agora, foi um esforço de emergência para interromper-se o alarme de emergência que soava e parecia ir levar a nau fosse à pique. Ou que avião se espatifasse no chão. No início do mês, o governo Lula sofreu uma derrota após a Câmara derrubar trechos de decretos presidenciais que alteravam dispositivos do Marco do Saneamento, aprovado em 2020, na gestão de Jair Bolsonaro. O relatório da MP do Bolsa Família já havia passado por concessões.
Com problemas evidentes em sua base aliada no Congresso, o governo teme sofrer uma derrota com forte impacto nas contas públicas. O custo da mudança seria de R$ 19 bilhões já neste ano, segundo cálculos do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome. Articuladores do Palácio do Planalto foram escalados para resolver o impasse. O líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), foi à comissão mista em que a Medida Provisória é analisada para tentar convencer o senador Alessandro Vieira (PSDB-SE) a retirar o destaque de seu projeto.
O senador tentou emplacar outro acordo, para excluir do cálculo da renda apenas o BPC pago às pessoas com deficiência. Isso limitaria o impacto a R$ 11 bilhões. O governo, porém, seguiu resistindo. Sem garantia de vitória no voto, o Executivo propôs mudar a redação do texto e incluir uma permissão, não obrigatória, para que haja futuramente o desconto de faixas percentuais do valor do BPC recebido por pessoas com deficiência dessa base de cálculo do Bolsa Família. Na prática, a medida facilitaria a esse público acessar os dois benefícios.
A proposta agradou aos parlamentares defensores da emenda, e houve acordo para a retirada do destaque. Com isso, não há impacto imediato nas contas do governo, mas os senadores já avisaram que vão cobrar do governo a implementação da nova política, que pode gerar custos no futuro.
Onde está o craque?
Na roda de conversas com partidos aliados, um deles o PSD, interlocutores ouviram de deputados que o Brasil vive uma situação como se estivesse disputando “uma Copa do Mundo com o Pelé no banco”, referindo-se a Lula. A ausência do presidente nas articulações políticas e a concentração das propostas no ministro da Casa Civil, Rui Costa, teriam como resultado uma gestão excessivamente petista. Se Lula estivesse participando, acreditam os parlamentares do PSD, teria o termômetro e poderia trazer mais o espírito da frente que o elegeu.
Um dos ministros da legenda corroborou as críticas. Para ele, Costa se comporta mais como um secretário-executivo do governo, sem dar prioridade à dimensão política do cargo que ocupa. As críticas subiram tanto de tom que Lula, de público, usou a figura futebolística para chamá-lo de craque e ser fundamental “protegê-lo de ciladas”. Rui Costa admitiu que o governo errou na articulação política no Congresso nos primeiros meses da atual legislatura. O Ministro da Casa Civil disse que após a montagem de equipes e retomada de programas, o plano agora é liberar emendas parlamentares.
“Eu diria que não foram empenhadas as emendas no prazo e na expectativa que os parlamentares tinham, mas as coisas estão sendo azeitadas”. As emendas parlamentares são um instrumento pelo qual deputados e senadores usam dinheiro do Orçamento para atender a projetos de seu interesse e obras de suas bases eleitorais.
Entre as emendas que o governo Lula autorizou, a liberação são as que fazem parte do orçamento secreto. Trata-se de um dinheiro represado nos anos de 2020, 2021 e 2022, ainda no governo Jair Bolsonaro. O valor represado do orçamento chegava a R$ 9 bilhões, que Lula agora começa a liberar. Porém, a base aliada foi incapaz de garantir maioria para aprovar o PL das Fake News, o que levou ao adiamento da votação. Depois, foi derrotada na votação sobre decretos presidenciais que mudavam o marco do saneamento. Os dois episódios expõem a fragilidade da articulação política de Lula. O orçamento secreto foi proibido em dezembro de 2022 pelo Supremo, pela sua falta de transparência na distribuição do dinheiro público aos parlamentares. O esquema passou a funcionar em 2020. Ele volta a funcionar, sob outra denominação e não sob tarja secreta.
Foto da Capa: Presidente Lula e Ministro Rui Costa / Marcelo Camargo / Agência Brasil