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Aqui finalizo meu texto A biblioteca do professor-ensaísta, cujas partes 1 e 2 foram publicadas nas semanas passadas (23 e 30/09). Urbanismo e cidades, Porto Alegre, Educação, Ferramentas para a revolução, Educação e Outras Línguas são os temas das obras aqui indicadas que constituem, para mim, o último grupo das que considero essenciais para escrever ensaios.
Urbanismo e cidades
O tema das cidades foi tardio em minha trajetória, advindo da experiência com a história de Porto Alegre e das suas lutas sociais, daí o fato de que é desta cidade que se trata a relação seguinte. Aqui reúno obras que auxiliam a entender o papel das cidades na história e, em seguida, obras sobre a capital:
40. A linguagem das cidades, de Deyan Sudjic (Gustavo Gili, 2019). O autor trabalha seis questões essenciais na definição de uma cidade: o que é, como fazê-la, como mudá-la, como governá-la, suas ideias e suas multidões. Para o autor, essas são as questões que dão identidade a uma cidade, ao contrário do que propõem os grandes empreendedores que subordinam as necessidades da identidade à transformação em fonte de renda do capital: a cidade é algo com cultura própria e não um amontoado de prédios. Não há como dissociar a produção de identidade histórica da destruição da cidade feita pelo capital, tema de meus ensaios mais recentes.
41. História da cidade, de Leonardo Benévolo (Perspectiva, 2019). É a obra clássica sobre a história das cidades. Estudo de referência porque mostra sua relação com as mudanças do sistema produtivo, seus efeitos na vida cotidiana das pessoas e a passagem para a modernidade com o grande salto demográfico que as caracteriza. Ricamente ilustrado, excelente fonte de recursos para uso em sala de aula e como referência para ensaios históricos.
42. Atlas das Cidades, de Paul Knox (Senac, 2016). A obra propõe uma tipologia das cidades contemporâneas. Dividindo-as em cidades fundacionais, verdes, inteligentes, imperiais, instantâneas, transnacionais e das celebridades, cada capítulo analisa de cada tipo a estrutura física, econômica, social e política através de textos, infográficos, mapas, quadros e tabelas para dar uma visão completa dos padrões de desenvolvimento das cidades.
43. Política e arquitetura, de Josep Maria Montaner e Zaida Muxi (Olhares, 2021). Montaner é um arquiteto crítico da sua disciplina e aqui desenvolve os temas iniciados em Arquitetura e Política (Gustavo Gili, 2014). Criticando as ameaças trazidas pelas mudanças da dinâmica urbana sob a pressão do capital, discute possibilidades habitacionais, urbanísticas e de produção do bem comum a partir de iniciativas locais, modelos participativos e femininos, dando atenção ao meio ambiente.
44. Espelho das Cidades, de Henri-Pierre Jeudy (Casa da Palavra, 2005). Reúne dois textos do sociólogo francês que tratam das causas e consequências da espetacularização da cidade. Criticando os processos de patrimonialização e homogeneização urbana que o capital produz, critica a eliminação das singularidades locais para sua adequação a um padrão mundial imposto pelo capital multinacional, resgatando as relações da cidade com seus moradores, esfera pública e meio ambiente.
45. A frase urbana: ensaios sobre a cidade, de Jean-Christophe Bailly (Bazar do Tempo, 2021). O autor reúne ensaios onde se põe a escuta do espaço urbano como se ele fosse um livro. Analisando suas ruas, edifícios, monumentos, esplanadas, centros e periferias de grandes e pequenas cidades, propõe uma leitura do urbano a meia distância do museu e da poesia, numa busca pela prosa das ruas de um lugar. A cidade é vista como o espaço poético, pois mostra que, quando nos movemos sobre sua massa de signos e personagens, sua prática corresponde a seu nome.
46. Arquitetura e Psiquê: um estudo psicanalítico de como os edifícios impactam nossas vidas, de Lucy Huskinson (Perspectiva, 2021). Um contraponto original para a crítica do modelo de expansão urbana das cidades. A autora mostra que os edifícios moldam nossa identidade, a maneira de sentir e perceber de nós mesmos. Guia para a relação do nosso inconsciente com os edifícios, critica os princípios utilitários de função, eficiência, custo e impacto visual, servindo como arma de combate à teoria arquitetônica sob o jugo neoliberal.
Porto Alegre
Se você pensa a sua cidade, você sempre terá um tema amplo para a sala de aula e para escrever. Eu comecei a pesquisar a cidade como obrigação de ofício para ensinar alunos que visitavam a Câmara Municipal sobre Porto Alegre. Daí foi um passo para pensar não apenas a função política, mas os demais problemas urbanos. Encontrei, em muitas, estas obras importantes neste tema:
47. Porto Alegre, guia histórico, de Sérgio da Costa Franco (Editora da Universidade, 1998). Com quase mil verbetes, é a principal obra de referência de Porto Alegre, com registro da evolução dos bairros, serviços públicos, praças, ruas, monumentos arquitetônicos, enchentes e epidemias, verdadeira viagem pela memória cotidiana da cidade.
48. Porto Alegre e sua evolução urbana, de Célia Ferraz de Souza e Dóris Maria Müller (Editora da Universidade, 1997). Enquanto Franco dá vida a cada fragmento da história urbana da capital, esta obra é um notável guia da história da cidade porque oferece um esquema de análise da sua evolução urbana. Dividindo-se em etapas que vão da ocupação do território até sua industrialização e metropolização, oferece um esquema rico em gráficos que permite uma análise a partir de fatores populacionais, econômicos, políticos, institucionais e administrativos.
49. Guia de Arquitetura de Porto Alegre, de Rodrigo Poltosi e Wlademir Roman (Escritos, 2016). Descrevendo a história arquitetônica da capital do período colonial, passando pela arquitetura eclética, o estilo Art Déco, a arquitetura modernista e pós-modernista, a obra reúne 100 obras de arquitetura relevantes da cidade. Da Praça da Alfândega à orla do Guaíba, passando por Largos, solares, hospitais e mercados, é uma obra de notável precisão e detalhe.
50. A cidade que devora malocas: habitação popular e o espaço urbano de Porto Alegre (1843-1973), de Álvaro Klafke, Rodrigo Weimer e Vinicius Furini. Obra indispensável para qualquer ensaísta interessado no tema da desigualdade na capital. Os autores mostram como o capital e o estado uniram forças para realizar uma política de remoções de vilas de malocas e a força das comunidades na luta pela sobrevivência através de suas diversas mudanças de lugar ao longo do tempo.
51. A Câmara na Cidade: retrato de um poder público no século XIX no município de Porto Alegre, de Jorge Barcellos (Câmara Municipal, 2022, esgotado, disponível em https://abre.ai/kWiM ). Aqui, eu retomo a obra de Sérgio da Costa Franco através de textos e sua novidade é a compilação de um conjunto de imagens do século XIX que falam da administração da cidade até o final do período imperial, mostrando a contribuição da Câmara Municipal na construção da paisagem da cidade.
52. Prefeitos de Porto Alegre: cotidiano e administração da capital gaúcha entre 1889 e 2012, de Antônio Augusto Mayer dos Santos (Verbo Jurídico, 2012). Um importante apanhado cronológico que dá continuidade à obra anterior, abordando a história da cidade a partir da República, com a instalação dos intendentes e prefeitos que passam a assumir, no lugar do poder legislativo, a função de governar a cidade a partir da era contemporânea, sua cronologia e as principais realizações.
Educação
Como os demais tópicos acima, existem inúmeras obras sobre educação. De Didática de Ensino à Psicologia da Aprendizagem, professores acostumam-se a ler as necessárias para ministrar seus conteúdos de ensino. Eu acredito que a politização da educação é importante, assim como transformar o ensino e sua escrita em espaço de crítica e denúncia de como é produzida a desigualdade, daí a seleção das seguintes obras:
53. A escola não é uma empresa: neoliberalismo em ataque ao ensino público, de Christian Laval (Planta, 2004). A obra mostra as pressões que a escola sofre para se adequar ao neoliberalismo. Sua crítica à escola como produtora de capital humano, a privatização do ensino que influencia os conteúdos, as relações de poder e procedimentos em seu interior mostram que o neoliberalismo visa transformar a escola em uma espécie de canteiro de obras do mercado. A crítica do autor é a mercantilização geral do conhecimento e aprendizagem que reforça desigualdades, frente às quais os professores precisam fazer resistência e lutas coletivas.
54. O capital para educadores: a prender e ensinar com gosto a teoria crítica do valor, de Vitor Henrique Paro (Expressão Popular, 2022). Para o autor, a teoria do valor de Marx é tanto um conteúdo de ensino como uma base de conhecimento para os professores porque explica como a riqueza é produzida pelo trabalhador e expropriada pela classe capitalista. É, portanto, um instrumento que faz da educação um meio de combater a desigualdade.
55. O fim da educação: redefinindo o valor da escola, de Neil Postman (Graphia, 2002). Aqui, o autor critica a devoção social à tecnologia, ao utilitarismo e ao consumo para revalorizar a instituição escolar, a sala de aula, a escola pública, gratuita e humanista nos tempos da razão e da hegemonia da informação via internet.
56. Dialogando sobre crianças e adolescentes, de Françoise Dolto (Papirus, 1989). A autora expõe casos de várias categorias profissionais ligados a crianças e adolescentes que vivem em instituições. Suas análises de casos de psicose infantojuvenil enumeram casos de adoção, perversão, puberdade e que servem para estimular formas do diálogo e escuta do desejo da criança e como responder a isso.
57. Por dentro da Escola Pública, de Vitor Henrique Paro (Xamã, 1995). Um clássico da etnografia escolar, levantamento de inúmeros aspectos da escola pública brasileira que, mesmo sem a análise da presença da internet, ainda descreve as dificuldades de professores e alunos no dia a dia.
58. A Pedagogia de Eros: territórios, vida cotidiana e saber nos projetos de implantação da Educação Sexual em Porto Alegre (1990), de Jorge Barcellos. Eu de novo me citando. Se não me divulgar, quem o fará? A partir da implantação de programas de educação sexual, meu livro, produto de minha dissertação de mestrado, exemplifica ao nível local a análise de Paro: as escolas de Porto Alegre por dentro e no seu dia a dia a partir de um apoio teórico original.
Ferramentas para revolução
Ao longo de minha prática de escritor, encontrei inúmeros livros que inspiram posições de ataque ao capital, posição da qual não abro mão. Engajamento e luta alimentam o desejo de ensinar; queremos transformar o mundo transformando o modo de ver de nossos alunos, e é sobre estas experiências que escrevemos. Algumas indicações:
59. Bela baderna: ferramentas para revolução, de Andrew Boyd e Dave Mitchel. Segundo Judith Malina, fundador do The Living Theater, a obra deveria ser obrigatória em todas as salas de aula. O motivo é que ela é a reunião de 41 ferramentas de resistência contra o capital, ações estéticas para a subversão social que vão da ação direta à greve geral e ocupação.
60. Novo manifesto dos economistas aterrados: 15 caminhos para outra economia, de autoria do Coletivo de Animação dos Economistas Aterrados (Actual, s/d). Reúne artigos descrevendo quinze formas diferentes de construção de outras formas de organização econômica que incluem desde a proteção da ecologia à valorização da igualdade. É uma obra que critica os efeitos do neoliberalismo e a desigualdade, originando um programa de ação que diminui os efeitos da busca obsessiva pelo lucro.
61. Ruptura, do Coletivo Centelha (N-1-Edições, 2019). É um manifesto de inspiração anarquista que critica o fascismo das formas de democracia aliadas ao mercado. Seu apelo revolucionário vincula práxis de mudança nacionais e internacionais em uma espécie de cartilha que põe lado a lado cidadãos e revolucionários.
62. Aos nossos amigos: crise e Insurreição, do Coletivo Invisível (n- Edições, 2016), também é outro manifesto na mesma linha do Coletivo Centelha, que aprofunda mais os temas do diagnóstico do fim do mundo capitalista numa espécie de proposta planetária de diagnóstico e recusa do capitalismo hegemônico.
63. Como mudar o mundo, de John-Paul Flintoff (Objetiva, 2012). Obra integrante da coleção Scholl of Life que propõe, ainda que de forma moderada, ao contrário dos manifestos dos coletivos anteriores, mudanças no mundo a partir de ações individuais, considerando objetivos e métodos mais próximos do cidadão comum em direção a uma sociedade melhor.
64. Como ser anticapitalista no século XXI, de Erik Olin Wright (Boitempo, 2019). Síntese das linhas de pesquisa do autor que combina sua análise crítica do capitalismo à suas reflexões sobre suas alternativas. O autor busca exemplos do que seria a “utopia real”, processo de redefinição das transformações do capitalismo e construção de práticas de experimentos socialistas.
65. Adeus ao capitalismo: autonomia, sociedade do bem viver e multiplicidade dos mundos, de Jérôme Baschet (Autonomia Literária, 2021). Crítico da adesão ao capitalismo, o autor pensa a possibilidade de um novo mundo a partir das experiências zapatistas, das propostas de bem viver de comunidades autônomas e experiências de autogestão.
Outras línguas
Confesso que eu sou um fracasso em dominar idiomas. Sou um monolinguista, não falo fluentemente nenhum outro idioma além do português. Acho que porque não tive oportunidade de fazer na mocidade tais cursos, por absoluta falta de recursos e, depois de velho, não tenho mais paciência. Mas sei da importância de acompanhar a produção internacional, e se não tenho fluência, graças às leituras que faço, entendo razoavelmente o espanhol e o francês. Felizmente, com os tradutores oferecidos pela internet, o problema de línguas reduziu-se e desde então acesso o inglês. Um simples clic e as páginas de um livro podem ser traduzidas automaticamente. Acho que isso ainda vai cobrar seu preço, mas aproveito mesmo assim. Indico aqui alguns livros sem tradução no português que julgo interessantes. São eles:
66. La fuerte razón para estar juntos, de Peter Sloterdijk (Godot, 2022). Para responder a pergunta de como evitar que os homens destruam a sociedade, que é também a questão de como nós mantemos a sociedade, o filósofo alemão propõe a conexão dos corpos individuais aos sociais através do conceito de paixão.
67. La postdata comunista, de Boris Groys (Cruce, 2015). O autor atualiza a proposta comunista: aponta que hoje sua dimensão política se efetiva pelo domínio da linguagem, diferente da economia, onde prevalece o domínio das cifras. Por isso, somente quando encontrarmos o nexo entre as novas formas de linguagem que o pós-data possibilita, poderemos estabelecer um caminho para uma sociedade igualitária.
68. L’Université du desastre, de Paul Virilo (Galilée, 2007). Num mundo onde o capital explora o campo dos limites da inteligência e da ética, Virilio faz a crítica da ciência a serviço do capital para afirmar que até ele, o conhecimento, deve ter um limite ou estaremos diante do acidente original, o do conhecimento, de que fala o autor.
69. Future Cities: architecture and the imagination, de Paul Dobraszczyk (Reaktion Books, 2019). Um panorama das cidades imaginadas pelo cinema e pela literatura, cidades do futuro, cidades que foram especuladas por autores e pensadores, seja no fundo do mar ou nas nuvens, e que permitem perceber que poderíamos ter cidades melhores.
70. The Metropolis in Latin America (1830-1930): cityscapes, photographs and debates, de Idurre Alonso e Maristella Casciato (Getty Institute, 2021). Uma obra que realiza, de forma comparativa, uma análise da expansão urbana em seis capitais: Havana, Cidade do México, Rio de Janeiro, Buenos Aires, Santiago do Chile e Lima. Descrevendo seus aspectos sociopolíticos e urbanos, contém, além disso, inúmeras fotografias de época.
Como afirma Umberto Eco em seu livro A vertigem das listas (Record, 2010), listar livros é apenas mais uma das formas de organizar informação, mas também visões de mundo. Segundo ele, a questão chave é sempre o critério de sua organização. Esta não é uma lista de obras para pesquisadores; é uma lista de obras que julgo úteis para professores em geral escreverem ensaios em geral; servirá também para ministrar aulas se o professor tiver a disposição de oferecer uma visão ampliada de seus conteúdos. Seja qual for a disciplina, como diz Eco, o sonho é sempre conhecer a essência das coisas. A lista apresentada aqui é incompleta, mas julgo que tem algumas obras significativas e, assim como Eco as vê expressando os sentidos de cada época, minha lista revela o modo como vejo o lugar do professor e de sua produção ensaística em nossa época. Isso deve nos fazer ao menos compreender as características e contradições do nosso mundo porque é nele que temos a missão de ensinar aos nossos alunos a lutarem por um mundo melhor.
Foto da Capa: Freepik
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