Vamos falar sobre bibliotecas?
Qual foi a última vez que você entrou em uma? Entrar não somente para visitar, coisa que fazemos, por exemplo, quando estamos viajando e no roteiro tem aquela biblioteca famosa. Digo entrar de verdade, escolher um livro, sentar e ler. Entregar-se à leitura sem pressa, degustando cada palavra naquele ambiente rodeado de livros.
Ao escrever este primeiro parágrafo me veio à mente um capítulo da minha infância: a pequena biblioteca com mesas e cadeiras coloridas que tínhamos perto de casa. De repente eu estava ali, fazendo novamente o trajeto desde casa até a biblioteca, passando pela recepção até chegar ao amplo salão iluminado pelo teto de vidro. Caminhando devagarinho com os olhos postos nas prateleiras até escolher e folhear um daqueles livros. É esse! Sinto vivo o cheiro do carimbo na ficha de empréstimo. Que lembrança boa! Me trouxe um misto de saudosismo e alegria, que me pôs um sorriso nos lábios e uma lágrima no rosto.
Nós não apenas lemos um livro. O que tem ali naquelas páginas se transforma em emoções, cheiros, sabores, cores e sensações. Fica impregnado. É como estar vivendo de verdade cada narrativa. Leitura é magia. Biblioteca também. O que seria de uma biblioteca sem livros? Ela continuaria sendo biblioteca? Não talvez seja a resposta óbvia, contudo não é a única.
Esta semana me deparei com um conceito de biblioteca até então desconhecido pra mim. Uma biblioteca humana. Um local onde ao invés de livros a gente pode escolher pessoas, um local onde todos são livros abertos. O ritual é semelhante ao que se experimenta em uma biblioteca tradicional: você entra, escolhe um “livro humano”, faz um empréstimo, senta com esse alguém que dá voz à história e escuta o que essa pessoa tem a dizer. Ela vai te contar coisas sobre a vida.
O conceito de “Human Library” não é novo, foi criado em 2000 por quatro jovens dentro de uma organização juvenil dinamarquesa chamada “Stop the Violence”. O projeto cresceu e se espalhou pelos seis continentes.
O objetivo da “Human Library”, ou biblioteca humana, é estabelecer um espaço seguro e de conversas sem tabus. Na interação entre “leitores e livros” são esperadas perguntas difíceis e respostas diretas. Um dos livros poderia ser por exemplo uma pessoa transgênero que falaria sobre estereótipos e preconceitos.
Mais do que apenas contar histórias, as sessões nessas livrarias humanas se transformam em uma partilha de experiências construída entre as perguntas e as respostas. Os livros estão dispostos a responder qualquer dúvida que o leitor possa ter sobre o tema em questão. Há livros tão diversos como portadores de HIV positivo, pessoas com limitações físicas, refugiados, muçulmanos, com corpos cobertos por tatuagens, com diferentes orientações sexuais ou que simplesmente optam por uma vida que aparentemente destoa da “normalidade”. Há ainda vítimas de abuso sexual, com transtornos de personalidade ou que passaram por traumas importantes. As possibilidades são inúmeras. Todos são voluntários que enfrentaram preconceitos em suas vidas por características marcantes.
Para os fundadores do projeto, a biblioteca humana é um espaço para explorar a diversidade, aprender sobre as maneiras pelas quais somos diferentes uns dos outros e interagir com pessoas que normalmente nunca conheceríamos. É, além disso, uma forma de desafiar o nosso preconceito inconsciente e deixar de julgar os outros “pela capa”.
Como disse, não é um projeto novo, mas eu nunca tinha ouvido falar. Parece que vem ganhando ainda mais destaque nos últimos anos. Essa peculiar biblioteca tem “acervos locais de livros” em cerca de 80 países ao redor do mundo. As pessoas são “publicadas” em eventos específicos que podem ocorrer tanto em uma biblioteca tradicional quanto em outros espaços adaptados para o encontro.
Pode saber mais sobre o projeto Human Library Organisation no site.
Foto da Capa: reprodução do Youtube do canal da Human Library Organisation
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