Muitas são as palavras que me movem. Algumas, como acessibilidade, inclusão e diversidade, para além de me mover, ampliaram e libertaram meu olhar. Ao entender o caminho que estas palavras me apontavam passei a ter uma percepção da vida menos viciada, não domesticada e não contaminada. Aquele olhar comprido, sem medo de se perder no horizonte em busca de um sol que antes de se recolher pinta o céu de laranja. Ou aquele olhar que pousa nas páginas de um livro e se encanta com uma poesia “cheia de desperdícios”, como a do escritor Manoel de Barros.
“Dou respeito às coisas desimportantes / e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim esse atraso de nascença.
Eu fui aparelhado para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.”
(O apanhador de desperdícios, do livro Memórias Inventadas – A Infância).
Busco essas palavras e esse olhar em poemas, pequenas frases, textos e atitudes que tornem o cotidiano mais ameno, democrático e plural. E para me abastecer de leveza e esperança.
E encontrei tudo isso com a virada que vivemos no Brasil neste início de 2023! Emergimos de um lodaçal sufocante para um espaço de transparência conduzido por homens e mulheres preocupados com os caminhos tortuosos e obscuros que o país tomou. Cidadãos e cidadãs que romperam o silêncio com respostas coerentes e acolhedoras para as tantas angústias que acumulamos durante quatro longos anos. Foi reconfortante ver tanta gente como a gente reunida com o propósito de reconstruir o Brasil.
Sei que não será fácil, mas a diversidade que se descortinou naquela simbólica subida da rampa em Brasília, com o presidente Lula acompanhado por um indígena, um menino negro, uma mulher negra, um jovem com deficiência, ativista da luta anticapacitismo, para receber a faixa da presidente da Rede Centcoop (Central das Cooperativas de Trabalho de Catadores de Materiais) do Distrito Federal, Aline Souza, 33 anos, foi uma resposta para a intolerância que enfrentamos em um cenário contaminado, preconceituoso, racista, machista e homofóbico. Em Porto Alegre, o governador Eduardo Leite, na cerimônia de posse para o segundo mandato, falou com naturalidade sobre o companheiro, “o meu amor”, referindo-se ao médico Thalis Bolzan. Thalis é um profissional da saúde que se dedica ao cuidado de crianças com câncer, com doenças especiais e com problemas de crescimento, incluindo o nanismo. E saber disso me estimulou muito, até porque pessoas com nanismo são ainda invisíveis e motivo de chacota e piadas no meio e que vivemos.
Finalmente, mudou o cenário que tornava insustentável e expulsava as relações que não correspondiam às normas de uma sociedade reducionista, ancorada em um governo que estigmatizava pessoas que buscavam viver dignamente a partir da sua essência – origem, raça, identidade, condição social, física, intelectual, orientação sexual. Um governo que autorizou o uso de armas e puniu as diferenças por todos os lados, do emocional ao social e econômico. Governo em que um ministro da Educação chegou a declarar que crianças com algum tipo de problema não deveriam frequentar a mesma sala de aula de crianças consideradas normais para não atrapalhar.
Saímos da barbárie para a civilização carregando a bandeira da diversidade.