Admito que não sou um profundo conhecedor da história de Portugal e, em especial, da Revolução dos Cravos. Mesmo assim, arrisco dizer que sei o suficiente para organizar algumas informações, fazer comparações simplistas com o Brasil e chamar a atenção para o que mais impressiona no 25 de abril: a representatividade que a data exerce sobre construção de um novo país, pós 1974, e seu pacto social.
Apesar da riqueza histórica e das glórias dos tempos das grandes navegações, Portugal sempre foi um país pobre. Seu povo – predominantemente rural e sem escolaridade – foi privado do usufruto de suas próprias conquistas ou dos avanços tecnológicos de cada época. Mesmo hoje, se compararmos com outras nações da Europa Ocidental e apesar do enorme progresso dos últimos 50 anos, o país ainda corre atrás na maioria dos indicadores econômicos e sociais.
Isso se deve ao fato de Portugal, arrisco dizer, ser um país jovem. Não em história, não em tradição, sequer em média etária, mas em maturidade republicana. O país foi uma monarquia até 1910 e, apenas 16 anos depois, sofreu com um golpe de Estado que resultou em uma ditadura que durou 48 anos (primeiro a Ditadura Nacional e, a partir de 1933, a Ditadura Salazarista).
Foi o fim deste período que fez nascer a crença, a valorização e a celebração da liberdade como patrimônio de um povo. Hoje, esse valor social é exaltado durante todo o mês de abril e, mesmo 4 anos depois de chegar por aqui, ainda me surpreendo com a cobertura jornalística e o volume de eventos, festas e iniciativas em torno da data (veja uma lista preparada pelo caderno Fugas, do Jornal Público).
Os jovens são estimulados a compreender o que houve durante os 48 anos de regime totalitário. São provocados a perceber as liberdades que só possuem por terem nascido em uma democracia. A Comissão Comemorativa dos 50 Anos do 25 de Abril, que será festejado em 2024, por exemplo, lançou uma enorme grade de ações focadas nos netos da democracia, com o objetivo de perpetuar os valores do Estado Democrático de Direito e relembrar os horrores da ditadura, evitando sua repetição futura.
A campanha #NãoPodias resgata as restrições de liberdade para que jovens aprendam com a história. Vale visitar o site ou fazer o quiz do Jornal Público. Tudo feito sem qualquer oposição ao tema. Mesmo o Partido Chega, de extrema direita e pauta conservadora, também sob o lema “Deus, pátria e família”, é incapaz de lançar qualquer contrariedade às celebrações, limitando-se a protestos em temas periféricos (como a visita oficial do Presidente Lula, que acabou ontem).
Bem parecido com o Brasil, não? Claro que não.
Temos a cultura de não olhar para trás. De achar que deixar de tratar erros históricos é ser conciliador.
Como brasileiro, impossível não fazer um paralelo de como fazemos a reflexão a partir das datas históricas no Brasil. Seja na cobertura de imprensa, seja na agenda cultural, ou mesmo na fala de autoridades. Afinal, no Brasil temos um ministro do STF que se orgulha de afirmar que não chama mais de “golpe” e sim “movimento de 1964” o começo da mais recente ditadura de nossa história. Depois, esse mesmo ministro fica surpreso com o que ocorreu em Brasília no último 08 de janeiro.
Tem também a recente publicação do Governo de Minas Gerais que definiu Tiradentes como golpista/criminoso, reduzindo a importância histórica da Inconfidência Mineira. Tudo para “celebrar” o 21 de abril de um mundo paralelo, confinado à superficialidade de uma postagem em rede social.
Assim, perpetuamos erros e repetimos os fracassos históricos. Como escreveu Emília Viotti da Costa: “Um povo sem memória é um povo sem história. E um povo sem história está fadado a cometer, no presente e no futuro, os mesmos erros do passado.”
Como imigrante, expatriado e nômade digital é no 25 de abril que zero a conta de todos os poucos ranços que acumulei no ano e revigoro minha crença nesse novo Portugal e sua gente.
Gosto do que disse a comunicadora Guadalupe Amaro: “… da Revolução dos Cravos não ficaram cravos, ficaram sementes. Num solo inóspito, resultado de quase meio século de seca extrema, e cabe-nos a todos nós regá-lo de esperança e luta para que brote a liberdade e vingue a justiça.”
Em tempo, a liberdade do povo português também marca o começo dos processos de reconhecimento das independências nacionais de Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe.
Viva o Dia da Liberdade! Viva este novo Portugal!