Em 25 de outubro de 1854, exatos cento e setenta anos da publicação dessa crônica, deu-se a batalha de Balaclava. Tenho minhas razões para lembrar esse episódio.
“A carga da Brigada Ligeira”, um poema do inglês Lorde Alfred Tennyson (1809-1892), imortalizou a ação dessa unidade da cavalaria britânica nesse dia. Tornou-se um símbolo do absurdo das guerras e por extensão da futilidade na perda de vidas.
Do poema de Tennyson, publicado apenas seis semanas depois do ocorrido, alguns trechos, em tradução livre:
“Meia légua, meia légua / Meia légua contra os ventos / Para o vale da Morte / Cavalgavam os seiscentos… / Avante a Brigada Ligeira.”
A península da Criméia, região atualmente disputada por Ucrânia e Rússia, na margem norte do Mar Negro, em meados do século XIX, foi palco da assim chamada Guerra da Criméia (entre outubro de 1853 e fevereiro de 1856).
O expansionismo russo na direção dos Bálcãs, então em grande parte sob domínio do Império Otomano, motivou o conflito. A Inglaterra, então sob a égide da Rainha Vitória, temia que fosse tomado do decadente Império Otomano o controle de acesso aos estratégicos estreitos do Bósforo e de Dardanelos.
Contra os russos uniram-se a Grã-Bretanha, a França, o Império Otomano e, mais tarde, o reino da Sardenha. Em setembro de 1854, as tropas da coligação desembarcaram na península e iniciaram o cerco terrestre, complementado por bloqueio naval ao porto fortificado de Sebastopol, base da frota imperial russa.
No dia 25 de outubro, os russos, cerca de 25.000 homens, atacaram as posições britânicas, francesas e turcas em Balaclava, na tentativa de enfraquecer o cerco dos aliados a Sebastopol.
Num determinado momento – e é bom que se lembre os seus nomes -, ao tentar intervir no combate, o comandante britânico, Lorde Raglan, emitiu ordens pouco precisas, que foram obedecidas cegamente pelo comandante da Divisão de Cavalaria, Lorde Lucan, que retransmitiu ao comandante da Brigada Ligeira, Lorde Cardigan. À frente de sua tropa, sem qualquer contestação, sem apoio da infantaria e contra uma força imensamente superior. Em ambos os lados de um terreno elevado, cavalaria e infantaria russas nos dois flancos e adiante, reforçadas por canhões. À carga, cavalgaram os soldados por um autêntico corredor da morte.
“- Contra os canhões, foi-lhes dito / Ao encontro do vale maldito / Cavalgavam os seiscentos… / Há covardia nas fileiras? / Não, embora soubessem os soldados / Alguém tinha cometido um erro / Não cabe a eles responder, / Não cabe a eles raciocinar o porquê, / Cabe a eles obedecer e morrer…”
O que se seguiu foi uma impressionante demonstração de disciplina e coragem, mas também de estupidez, soberba e falta de conhecimento estratégico militar. Dos mais de 650 cavalarianos ingleses, das unidades de Dragões, Lanceiros e de Hussardos, restaram cerca de 190. Foi esse absurdo ataque que passou à história como A Carga da Brigada Ligeira.
“Cossacos e russos / Pelos sabres em euforia / Foram destroçados / Então, eles cavalgaram de volta / Mas, não, não os seiscentos.”
A Carga da Brigada Ligeira repete-se todos os dias e ao longo do tempo. Em campos de batalha, no trânsito, em estradas perigosas. Em locais insalubres, epidemias, calamidades, inundações. Incêndios criminosos. Por falta de prevenção, de cuidados, de apoio, conservação, fiscalização. Pela leviana liberação no porte de armas. Pela falta de responsabilidade e ausência de responsabilização.
Aos seiscentos, ou sejam quantos forem os caídos, a insígnia de heróis. De resto, o carimbo do termo “fatalidade” parece manter-se útil e é rapidamente lembrado, com ligeireza providencial, para evitar maiores questionamentos.
“Então, eles cavalgaram de volta / Mas, não, não os seiscentos.”
Foto da Capa: Reprodução de "A Carga da Brigada Ligeira", Richard Caton Woodville
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