Minha estreia nesse espaço vem cheia de desejo, expectativa e, consequentemente, frustração. Sei que nunca vou conseguir fazer o texto incrível que eu gostaria e que tenho na minha mente para que a chegada na Sler fosse triunfal, arrebatadora ou ao menos marcante.
Começarei falando de incríveis que admiro então, quem sabe eles me tragam sorte nesse primeiro texto. Na ultima sexta-feira fui assistir a uma palestra dentro da programação da Feira do Livro de Porto Alegre. O título da mesa era “Amor e trauma” e tinha como convidados Jacques Fux e Maria Homem. Chego por volta de 15 minutos antes do horário de início e encontro um auditório lotado, com fila de espera para entrar. Quem não quer escutar referências em literatura e psicanálise falando sobre amor e trauma? Afinal, quem de nós não está traumatizado? Mas esse não é o tema do meu texto.
O tema do meu texto é castração. Um termo psicanalítico polêmico, mas incontestável, já que é um conceito que remete aos limites e à possibilidade de acedermos a nossa capacidade simbólica e psíquica no momento em que o desejo primordial que desejávamos comunica que não poderá jamais ser realizado. Aliás, desejo não comunica nada. Desejo deseja e está ali para isso mesmo. Quem comunica tal impossibilidade são os genitores, nessa cena edípica da qual salas de análise se ocupam mundo afora.
Ainda bem que somos castrados, ainda bem que esse texto não será brilhante. Isso me acalma para seguir buscando o brilhantismo nos próximos. Voltando à palestra, Maria Homem, ao falar sobre nossa cultura atual da busca pela completude e pela imortalidade, foi questionada pela mediadora sobre procedimentos estéticos que deixariam as mulheres como se numa produção em série: bocas, peitos e lábios, parafraseando Caetano. Então ela brinda o público com o que para mim foi a pérola do dia: ao buscarmos o feminino em preenchimentos, acessórios, roupas e apêndices, estamos nos perdendo em máscaras, e lança: “É por isso que eu simpatizo com a depressão”. Pausa. Uma psicanalista que simpatiza com a depressão? Ela prossegue: “Uma deprimida vai olhar para uma joia caríssima e pensar: Mas e daí? É só um pedaço de metal”. Relativizando sobre o quanto a vida carece de encanto e frivolidades para nos ajudar e dar pequenos alentos frente aos percalços e traumas, é tão importante esse momento de ser capaz de ver ouro como apenas um metal. Por que gastamos tanto? Por que competimos tanto? Queremos ganhar de quem? Do que – tão incessantemente – estamos correndo atrás?
Foi então que a frase título desse texto me veio à mente. Essa imagem do coelho com uma cenoura presa à sua frente, a cenoura do desejo. Sabemos que a vida não está na cenoura, nem no coelho, mas na corrida. Saber que a cenoura nunca chega, que vamos conseguindo apenas raspas dela de vez em quando, sentir o cheiro dela dependendo do sentido do vento, pode ser um momento depressivo importante. Um anel de ouro é só um metal, ufa!
Essa semana li uma frase da também psicanalista Vera Iaconelli, que brilhantemente dizia: “Abrindo mão de ter tudo, posso ficar com algo. Se não puder abrir mão de nada, perco tudo.” O que é esse nada? Ou esse tudo? O que sabemos perder? Talvez o trauma das novas gerações esteja sendo pagar o preço de ter apostado na ideia vendida por seus genitores de que poderiam mesmo ter tudo, ser o que quisessem, nessa cultura neoliberal de ser o gestor de si, do self-made man (man, claro). Vendeu-se a ideia de que limite (novamente, a castração) é ruim, que impede de crescer.
Não alcançar a cenoura nos faz seguir correndo. Certamente não seria nada emocionante ganhar um anel de ouro ou de qualquer material que se aprecie e pensar “ah, mas é só madeira, só metal”. É preciso o ideal, o simbólico do que representa esse presente, é preciso reconhecer o que se conquista, numa dança de perde e ganha que é a vida. Perdemos mal, e quem perde mal não sabe apreciar quando ganha.
Por aqui, sigo correndo. No caso, escrevendo, atrás da minha cenoura. Adélia Prado uma vez disse que às vezes a vida lhe tirava a poesia e que ao olhar pedra, só via pedra mesmo. Talvez por hoje eu fique com esse texto-pedra aqui. Quem sabe, de vez em quando, por breves momentos, ele possa virar poesia.
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