Aqui e ali, no que resta da Mata Atlântica, ainda se pode ouvir um cântico sempre que vai chover. Segundo a sabedoria popular, o bugio “canta” para anunciar chuva, o que também o deixou conhecido como macaco meteorologista. O bugio (Alouatta guariba) também é conhecido por guariba, macaco-ruivo ou barbado, pela exuberância de sua pelagem.
O canto do bugio é uma das vozes exuberantes da natureza. Eles produzem um som grave que pode ser ouvido a mais de cinco quilômetros, quando cantam em conjunto, em geral no amanhecer ou anoitecer. Chega a alcançar 130 decibéis, isso é quase equivalente a uma turbina de avião. É seu meio de comunicação, entre grupos e na defesa territorial.
O som potente, algo como um ronco que ecoa pelas matas, deve-se às gargantas grandes e câmaras vocais semelhantes a conchas e a um osso hioide bastante avantajado – estrutura entre a laringe e a base da língua. Essa é uma das peculiaridades da espécie que já foi comum, mereceu até referência do pai da Teoria da Evolução, Charles Darwin, em sua passagem pelo Brasil, em 1832. Hoje, devido à perda de habitat, caça criminosa e à epidemia de febre amarela silvestre está entre as espécies mais ameaçadas do mundo e que, por temor equivocado de contágio à população humana, faz com que sejam mortos.
Mesmo com esse talento de tenores turbinados, os bugios quase sempre são silenciosos. Vivem a maior parte do tempo na mais completa serenidade, comportam-se de maneira bem diferente dos agitados micos e macacos-prego. Podem passar horas a fio parados nos galhos mais altos da floresta, bem juntos. Tão discretos que, se calados, dificilmente são percebidos, a despeito de serem um dos maiores macacos das Américas. Os machos podem superar 50 até 90 centímetros sem contar a cauda, que mede outro tanto, e os maiores podem pesar até dez quilos. Os machos são marrons avermelhados e as fêmeas, castanhas, quase pretas. Ambos têm barba.
Mas essas explicações enciclopédicas servem para contar uma história que ouvi num velório e passei a usar também sempre que perde-se um ente querido e alguém argumenta que “precisamos nos encontrar mais”. Aproveitar a convivência do outro enquanto estamos vivos. Segue a proposição de mensagens, de compromissos para marcar encontros e que raramente se realizarão.
A “assembleia dos macacos” é uma instituição que é formada a cada chuva torrencial. Os primatas reúnem-se no abrigo de algumas árvores e discutem propostas que deverão ser implantadas assim que a chuva passar. Construir casas seguras, plantar matas ribeirinhas evitando o assoreamento dos rios, ajudar com medidas que permitam alertar populações de risco a evitar tragédias. Sempre há um que até contribui com a ideia de se criar uma espécie de defesa civil, com avisos e ações preventivas. Outros apelam para a ética, para a necessidade de melhor planejamento urbano, respeito ecológico e menos ganância em interesses econômicos.
Mal a chuva dá trégua, volta cada macaco para o seu galho.
Tenho para mim que não são bugios que fazem esse tipo de conclave social. Eles já tem seu sistema de comunicação e se mantém em grupos, unidos. Mas pouco são ouvidos por outros animais. Deve ser outra espécie, mais propensa a discursos vazios e fabulações, um tipo de primata mais afeito ao proselitismo, à politicagem vazia, enganadora.
A sorte nossa é que somos humanos, racionais, bem mais evoluídos do que bugios e outros macacos.
Foto da Capa: Reprodução do Youtube
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