Nesse rincão austral, para quem busca o feriadão, é comum avistar das estradas, ao raiar das manhãs das Sextas Santas, gente envolvida na colheita da macela.
A macela ou marcela, um arbusto perene, costuma florescer na região sul nos meses de março e abril. Alcança cerca de um metro de altura, tem pequenas flores amarelas, dispostas em pequenos cachos. As folhas são finas, de um verde-claro meio acinzentado. São usadas como estofo de travesseiros para bebês, pela crença de efeitos calmantes.
As folhas e as flores, de agradável aroma, postas em infusão servem para chás que aliviariam dores de cabeça, cólicas e problemas gastrointestinais. Especialmente quando colhidas, ainda prenhas do orvalho bento nas manhãs do dia que marca a paixão de Cristo. Independente de fé, a macela é considerada uma planta medicinal, herdada dos povos originários. Comercializada em pequenos ramalhetes, serve para prover alguns trocados a caingangues espoliados.
Pela representatividade dessas histórias, de tradição e religiosidade, a planta (Achyrocline satureioides) é considerada um símbolo oficial do Estado do Rio Grande do Sul. Segundo parecer técnico, no período que antecede à Páscoa ela atinge o ápice de sua floração, contendo maior quantidade de princípios ativos medicinais, o que reforça a atávica sabedoria popular.
Taquara do Mundo Novo. Década de 60, século passado. O cartaz chamara para o matiné: Barrabás! Dirigido por Richard Fleischer e baseado na novela homônima do sueco Pär Lagerkvist, Nobel de Literatura de 1951. A escuridão no interior do Cine Cruzeiro fez-se de especial parceira ao filme naquele dia e ainda atemoriza a memória do guri que fui.
Anthony Quinn vive o personagem principal, um criminoso que é colocado ao lado de Jesus, para permitir a escolha de quem receberia o perdão pascal, segundo costume vigente à época.
Provavelmente não seria diferente nos dias de hoje e não vai aí nenhuma tentativa de exaltar a Cristandade. A escolha entre alguém com uma mensagem de paz, tolerância e amor ao próximo, à verdade real sem hipócrita pirotecnia, perderia de lavada para um agitador envolvente. Um sujeito de boa lábia, espírito provocador e envolvido em táticas de guerrilha, algo que parece ter sido o perfil de Barrabás.
Com respaldo das mídias eletrônicas atuais, – Bah, Bárrabas! Quem duvidaria da tua arrasadora vitória?
O diretor aproveitou a imagem real do eclipse solar de 15 de fevereiro de 1961, para filmar as cenas da crucificação de Cristo. Um momento único, de hora marcada e condições climáticas ideais em Roccastrada, na Toscana. O resultado ainda hoje fascina cinéfilos e estudiosos, pelo impacto do efeito de luz e sombras conquistado a partir de um fenômeno natural.
Ao sair da sala de cinema, naquela tarde singular, surpreendeu-me a luz do sol, como se não esperasse vê-la nunca mais.
Por um momento, a visão dos colhedores de macela nessa clara manhã de outono parece mais do que um lenitivo medicinal. Tem poder balsâmico arrasador. Serve de antídoto a horizontes ameaçadores, ao temor de uma iminente guerra atômica. Parece garantir justiça e paz na Terra Santa. Cessa o conflito na Ucrânia; o movimento de perversos interesses no tabuleiro da geopolítica; reabrem-se teatros e prisões em Moscou. Inexistem obscuras negociações de milícias nos meandros institucionais da nossa nação; e, de fato, não há notícias de nada acontecendo de horror no coração das trevas africanas, de onde continuamente nada se sabe e nada parece importar a ninguém, para o bem da inocência do resto do mundo.
Um quero-quero preocupado com seu ninho grita alto. O resto é paz no universo.
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