O tempo que vivemos é de tensão. Tudo treme. Tudo molha. Tudo seca. Tudo sobra. Tudo escapa. Tudo falta. Tudo sobra. Tudo vira discussão. Os ventos sacodem as certezas. As luzes apagam. Já não sabemos mais nada. Às vezes, “a espera desespera”, escreveu o poeta de “a vida das sobras” (Editora Leitura XXI), o jornalista e produtor cultural Carlos Eduardo Caramez, um livro que recomendo sempre. Poemas curtos, vigorosos e proféticos. Falam de uma geração que sonhou, se desesperou, lutou para voltar a sonhar e vê o sonho escapando pelas mãos. Mas há neste tecido poético vozes de quem não desiste. Persiste. Insiste.
O momento é de apreensão. A vida na ponta dos dedos. O coração aos pulos, mas com direito a um respiro/suspiro prolongado entre um baque e outro. Para não morrer da espera asfixiante. Essa é a condição. É o que nos sobra nos momentos cruciais de angústia, enquanto os olhos buscam a luz.
E tudo é ponto de interrogação!
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Diante da certeza de que “não há guarda-chuva contra o mundo”, dito certeiro do escritor João Cabral de Melo Neto em poema dedicado a Carlos Drummond de Andrade, que mostra a nossa vulnerabilidade, reafirmo: sempre me comoveu e comove a condição humana. Hoje, com a maturidade, ainda mais. E diante do inexorável aprendi a olhar para o que nos ampara. A solidariedade. O amor. O respeito. A generosidade. A luta coletiva. Ver o outro na sua condição, sem julgamento. Salvem os amigos que nos observam, escutam, pontuam e estão sempre prontos para um abraço acolhedor.
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“Todos serão arrastados pela mesma catástrofe, a não ser que se compreenda que o respeito pelo outro é a condição de sobrevivência de cada um” – Claude Lévi-Strauss. Encontrei esta frase em um livro instigante que estou lendo, “A Queda do Céu – Palavras de um xamã yanomami”, de Davi Kopenawa (foto da capa) e Bruce Albert (Cia das Letras, 2010, 18ª reimpressão).
É um debate necessário e um grande desafio nesses tempos turbulentos.
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Definitivamente, transitamos por fronteiras muito vulneráveis. O preconceito nos espreita nas esquinas da vida. E a pergunta que sempre faço e fica sem resposta é: como falar de deficiência, acessibilidade, inclusão, discriminação, evitando cair no heroísmo, no fetiche, no sensacionalismo, no clichê, no estereótipo e na tão endeusada superação?
Em lugares públicos, entradas de prédios, repartições de um modo geral, quase sempre as pessoas me olham com um misto de pena, curiosidade, espanto e vários pontos de interrogação. Algumas são gentis. Sei que minha figura espanta ou comove. Se me comunico, aí tudo se transforma em admiração. E, claro, normalmente, liberam a pergunta que não quer calar: “O que você faz?” E quando respondo que sou jornalista o milagre se dá e os rostos se enchem de sorrisos. “Jornalista? Parabéns!” Não tenho dúvidas de que por trás dessas reações, às vezes absurdas, está uma grande incredulidade – “Como uma pessoa assim chegou nesse lugar?”. Hoje esta incredulidade já não me inquieta. Não há como negar que no meio em que vivo sou uma pessoa rara e preciso lidar com a reação das pessoas.
Mas voltando à poesia, nada melhor do que a palavra do nosso poeta das “esquinas esquisitas”, Mario Quintana e o seu “Poeminha do Contra”.
“Todos esses que aí estão / Atravancando meu caminho, / Eles passarão… Eu passarinho!”.
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Foto da Capa: Davi Kopenawa | Divulgação