Imaginem a seguinte cena: um paciente marca uma consulta médica com semanas de antecedência. No dia agendado, simplesmente não aparece. Não liga, não envia mensagem, não remarca. Para muitos, esse gesto pode parecer pequeno, quase irrelevante em meio à correria do dia a dia. Mas, por trás dessa ausência silenciosa, escondem-se consequências reais que afetam diretamente o cuidado com a saúde — não só daquele paciente, mas de toda uma rede ao seu redor.
Nos consultórios que atendem por operadoras de saúde, a ausência sem aviso tem se tornado um desafio crescente. A questão vai muito além do incômodo de um horário ocioso. Há um prejuízo claro para o sistema, para outros pacientes que aguardam atendimento e, sobretudo, para os médicos, que dedicam tempo, preparo e estrutura — e, muitas vezes, não são sequer remunerados se o atendimento não acontece.
Quando um paciente falta sem avisar, ele impede que aquele horário seja utilizado por outra pessoa que poderia estar precisando de avaliação, orientação ou diagnóstico. A vaga se perde. E, com ela, perde-se também a chance de prevenir uma piora, iniciar um tratamento ou simplesmente acolher alguém que está esperando por cuidado.
Não é exagero dizer que uma consulta desperdiçada pode, em alguns casos, atrasar a linha do tempo da saúde de quem precisa.
Do ponto de vista do médico, o impacto também é profundo. Em muitos contratos com operadoras, só há remuneração se a consulta for efetivamente realizada. Isso significa que o profissional assume toda a responsabilidade — agenda, estrutura, equipe, contas fixas — e, ainda assim, não recebe nada caso o paciente não compareça. Um cenário que desestimula, desvaloriza e fere silenciosamente a dignidade do ato de cuidar.
Enquanto isso, o paciente que faltou, muitas vezes por esquecimento ou desatenção, segue sua rotina sem qualquer consequência. E a operadora de saúde tampouco se envolve ativamente na mediação do problema. Falta, aqui, uma engrenagem de corresponsabilidade que permita que todos — pacientes, prestadores, operadoras e clínicas — compartilhem o compromisso com o bom funcionamento do sistema.
É importante, claro, reconhecer que imprevistos acontecem. Emergências, problemas familiares, acidentes de percurso fazem parte da vida. Ninguém está imune. Mas quando não há sequer um aviso, quando não há a gentileza de uma mensagem ou telefonema, o que se instala é uma espécie de desrespeito involuntário — uma ausência que ecoa mais do que se imagina.
Diante disso, soluções são possíveis. E algumas já estão sendo implementadas em clínicas pelo país:
• Lembretes automatizados por SMS ou WhatsApp, com botão de confirmação ou cancelamento, facilitam a vida do paciente e reduzem faltas em até 30%.
• Listas de espera ativas: permitir que pacientes sejam encaixados com pouco aviso quando há desistências.
• Políticas educativas: após determinado número de faltas sem justificativa, restringe-se temporariamente o agendamento ou exige-se confirmação prévia.
• Acordos com operadoras: criar cláusulas contratuais que permitam o reembolso parcial ao profissional nos casos de ausência injustificada.
• Campanhas de conscientização: com cartazes, mensagens e materiais nas salas de espera, reforçando a importância do aviso prévio.
Mais do que medidas punitivas, trata-se de criar uma nova cultura — uma cultura de respeito mútuo, em que o tempo do médico, do paciente e do sistema seja valorizado igualmente.
Mas nenhuma dessas ações funcionará se cada parte envolvida não fizer sua parte. O paciente precisa entender que marcar uma consulta é assumir um compromisso com sua saúde e com o coletivo. As operadoras de saúde devem reconhecer que são corresponsáveis pela fluidez e sustentabilidade do cuidado, investindo em soluções tecnológicas e educativas. Os prestadores, por sua vez, precisam comunicar suas políticas com clareza e empatia, sem medo de parecerem rígidos.
Até porque, no fim das contas, uma consulta que não acontece é mais do que um horário vazio. É um momento de cuidado que se perdeu. É um gesto de confiança que foi deixado no ar. E quando esse fenômeno se repete milhares de vezes, deixa de ser um incômodo individual e passa a se tornar um risco coletivo — um problema que ameaça a qualidade, o acesso e a sustentabilidade do atendimento médico, especialmente na saúde suplementar.
Construir um sistema de saúde mais eficiente, mais humano e mais justo começa por pequenas atitudes. Avisar com antecedência que não poderá comparecer é uma delas. Simples, rápida, gratuita e capaz de abrir espaço para que outra pessoa receba o cuidado que está esperando. E, quem sabe, evitar que mais uma consulta simplesmente… nunca aconteça.
Cassiano Teixeira é especialista em Clínica Médica e Terapia Intensiva. Professor do Departamento de Clínica Médica e Ciências da Reabilitação da Universidade de Ciências da Saúde de Porto Alegre. Responsável pelo Curso de Humanização em Terapia Intensiva da Associação de Medicina Intensiva Brasileira. Intensivista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Consultório de cuidados perioperatórios.
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