Poucos livros me impactaram tanto quanto “A coragem de não agradar”. Os autores Ichiro Kishimi e Fumitake Koga utilizam um diálogo entre um jovem e um filósofo para falar da psicologia adleriana ou psicologia individual, que é baseada nas ideias de Alfred Adler. Mas o que tem de tão impactante neste livro? Algumas ideias e conceitos parecem irreais ou absurdos, como por exemplo: “Algumas pessoas optam por ser infelizes”, “Na vida não é preciso competir”, “Quem disse que mundo é um caos, cheio de contradições?”. Mas, à medida que o filósofo vai apresentando os seus argumentos, o leitor vai percebendo a profundidade e a aplicabilidade de cada ideia e vai questionando os nossos referenciais e o nosso atual modo de vida. A seguir, uma síntese dos principais pontos do livro.
Nos diálogos, o jovem questiona o filósofo provavelmente da forma que nós faríamos:
Jovem – Qualquer um vê que o mundo é um caos, cheio de contradições.
Filósofo – O mundo que você vê é diferente daquele que eu vejo.
Jovem – Nós estamos vivendo no mesmo país, na mesma época, vendo as mesmas coisas.
Filósofo – Não se trata de como o mundo é, mas de como você é.
Aqui fica claro que existe um mundo lá fora e outro dentro de cada um de nós. A conversa continua e o jovem revela que ele é infeliz com a pessoa que é, que gostaria de ser como um amigo que admira. O filósofo então mostra que ele não muda porque não quer, pois mesmo insatisfeito e infeliz com a sua situação, tem medo de se expor, medo do julgamento. Dá como exemplo alguém entrando numa sala com 10 pessoas desconhecidas, provavelmente uma delas irá odiá-la, duas irão amá-la e sete serão neutras. Geralmente esta pessoa focará suas preocupações naquela pessoa que a odeia, mesmo que não tenha motivo algum para isso. As pessoas não querem mudar e fazem de tudo para evitar desagradar as outras, mesmo que isto lhes custe muito caro.
Eu lembrei de uma encenação teatral realizada há uma década pelos meus alunos em que, no enredo, duas estagiárias foram encarregadas de arrumar as cadeiras na sala de aula. Uma queria colocá-las em formato circular e a outra no formato retangular e então começaram a brigar. Neste momento entra na sala o personagem professor, que me representava, se inteira da situação e propõe “um círculo retangular”. As duas concordam e se abraçam. Na época, o destaque foi dado ao meu perfil conciliador. Lendo este livro, percebi que isto representava um certo “medo de desagradar”.
O segundo ponto destacado no livro é de que o passado e o futuro não existem. Adler nega a existência do trauma. Ele defende que a sua frente você tem uma página em branco para escrever, foque no presente, pois é o que existe. Se quer construir um castelo, coloque um tijolo a cada dia. O futuro é construído de muitos presentes. Óbvio que onde você nasceu, a sua genética, sua cor da pele etc. tudo tem influência na sua vida. A frase atribuída a Sartre diz: “Não importa o que a vida fez de você, mas o que você faz com o que a vida fez de você”. Você vai se lamentar ou vai se levantar?
O terceiro ponto fala da felicidade e da liberdade. Ter liberdade para trabalhar no que a pessoa acredita e com quem ela se identifica. Questiona se o seu trabalho traz valor para comunidade? Contribui para melhorar a vida dos outros? Isto gera um sentimento de felicidade. Não precisamos competir com ninguém, pois a vida não é uma competição. As pessoas precisam buscar a evolução, que é um processo seu com elas mesmas. A vida não é uma linha de partida e chegada. O filósofo diz que a vida é um conjunto de momentos que se chamam de “agora”.
O quarto ponto é a separação das tarefas. Eu sou responsável pelo que eu falo e você pelo que entende, pois isto depende do seu nível cognitivo e das suas experiências. Da mesma forma, não queira que o outro carregue a sua dor e nem você sofra com as coisas do outro. Cabe a ele ser quem ele é, e a mim ser quem eu sou.
O filósofo destaca que todos os problemas têm origem nos relacionamentos. Como não podemos viver isolados, a solução é buscar conviver com pessoas com quem podemos estabelecer o senso de comunidade. Mesmo assim haverá julgamento, quando uma pessoa te julga, o julgamento é dela, siga em frente.
Lembrei da vez em que entrevistei o ex-Prefeito de Bogotá Enrique Peñalosa, e ele disse que os prefeitos se comportam como “miss universo”, querem agradar a todos. Destacou que, uma vez eleitos, enfrentam interesses contrários e precisam “ter coragem de desagradar” alguns. Se você ainda tem a tentação de ser “miss universo” ou de propor “círculos retangulares”, reflita sobre isto. E lembre que desejar atender as expectativas dos outros é uma forma de escravidão. Para ter uma vida livre, é preciso ter coragem de desagradar os outros.
Referências
A coragem de não agradar: Como a filosofia pode ajudar você a se libertar da opinião dos outros, superar suas limitações e se tornar a pessoa que deseja - Por Ichiro Kishimi, Fumitake Koga, Ivo Korytowski(tradutor)
As 3 lições que aprendi com o livro "A coragem de não agradar" - Indicações de livros #04
4 lições importantes do livro "A coragem de não agradar!
Foto da Capa: Freepik/IA Generated
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