Estava conversando com a Aurea Leminski na abertura da exposição Múltiplo Leminski. Está no Centro Cultural da UFRGS. Uma fala dela sobre o crescimento da extrema-direita no mundo me fez citar um poema do Paulo, seu pai, que termina assim: “que tudo passe/e passe muito bem”.
Essa lembrança me fez refletir sobre o uso do modo subjuntivo tanto na poesia do Paulo Leminski quanto na da Alice Ruiz (Foto da capa: Paulo e Alice), mãe da Aurea. Ambos se valem dessa forma verbal. Um trecho de um poema da Alice: “que tudo seja leve/de tal forma/que o tempo nunca leve”.
No do Paulo, a esperança de que o que muda nos livre também do que nos incomoda. Já que a lei da vida é a mudança, que ela seja também a nosso favor. No da Alice, uma esperança de permanência. A leveza como uma forma de driblar o tempo. Algo tão leve que passe despercebido por esse tempo que leva tudo embora.
Associei essa solução da vida pelo modo das possibilidades, o modo subjuntivo, a um tempo de fechamento, de ditadura. A poeta e o poeta viveram suas juventudes nos anos de chumbo da ditadura militar do Brasil. Seus sonhos e seus vislumbres de uma vida, e, incluindo nessa vida, o exercício pleno da cidadania, poderia se colocar nesse terreno do possível. É uma afirmação da diferença em relação ao que está posto.
O uso do modo subjuntivo, sobretudo o do presente do subjuntivo, vem sofrendo hoje uma crise na fala de grande parte da população brasileira. Formulações como “você quer que eu pego” e outras similares têm se alastrado no dia a dia. Trocar o presente do modo das possibilidades pelo das ações concretas, o indicativo, faz pensar.
Talvez essa vida de eterno presente, com o passado virando um arquivo passível de ser presentificado num clique. Talvez essa velocidade pós-futurista que nem dá tempo do futuro chegar. Talvez a vida imediata, da sobrevivência, do ganha-migalhas-de-pão, do salve-se quem não for alvo de bala perdida. Tudo isso pode estar inviabilizando a ideia de um modo subjuntivo. Não há nada junto, como num mundo paralelo. Só uma massa indefinida num indevassável aqui e agora.
E termino com um poema meu, que também sou do tempo do subjuntivo. É do livro Palavra Mágica, de 1994:
quem sabe um profeta
entre tantos
seja mais ouvido que outros
quem sabe um poeta
e seu canto oblíquo
sempre ouvido por poucos
quem sabe num piscar
de olhos ou estrela
desabe um império
e todo calendário
retorne ao zero