Eu tive uma tia que vivia se queixando de todos os males possíveis. Enxaqueca, labirintite, otite, sinusite, rinite… Um dia, um primo que nada tinha de médico diagnosticou: a tia fulana tem uma saúde de ferro! Com esse monte de doenças, anda por aí sã e faceira… Viveu bastante tempo, e feliz, a tia…
Lembrei dessa contradição, cheia de ironia, lendo postagens em grupos de WhatsApp e em tudo o que é rede social sobre riscos que correria a saúde da democracia brasileira. Seguindo o mesmo raciocínio do primo, concluo que essa jovem quarentona tão atacada tem uma saúde de ferro e está mais forte do que nunca. Com uma diferença, não é a democracia que se queixa. Os que precisam cuidar dela são os mais queixosos.
Ora, não podemos ser nem os tolos otimistas, nem, muito menos, os chatos pessimistas do Ariano Suassuna. Podemos, sim, ser do terceiro tipo nomeado pelo paraibano: os realistas esperançosos. É assim que a democracia precisa que sejamos.
Nem viver temendo que ela caia a qualquer momento, nem imaginar que está imunizada contra qualquer vírus golpista desses que se retroalimentam, todos os dias, na desinformação das redes sociais, nas fake news, na polarização… Mas estar vigilante e cuidar dela com carinho e determinação.
O aprofundamento da democracia se dá na medida em que cidadãos comuns organizados nas instituições oficiais, em movimentos sociais, nas escolas e nas universidades, a imprensa profissional fazem bom uso da liberdade de crítica e de promoção do diálogo. Assim, vamos buscar a redução das desigualdades e da violência urbana, vamos sanar as falhas na assistência à saúde, os buracos no sistema educacional. Só a democracia oferece condições para essa luta.
Construído com muito sacrifício durante os 20 anos da ditadura militar imposta em 1964, nosso novo regime, parece, veio à luz vacinado contra os vírus antidemocráticos e todas as suas variantes. Desde que nasceu, a nossa jovem quarentona garantiu nove eleições gerais, passou sem tremer pelo impedimento de um presidente e uma presidente da República, enfrentou a ressaca das manifestações de junho de 2013, viu governadores, empresários, líderes políticos e até um ex-presidente serem presos, reagiu bem, em 2022, ao vírus que a atacava por dentro desde 2019 e o expeliu, definitivamente, no fracasso do 8 de janeiro de 2023.
Mesmo com todas essas demonstrações de sanidade física e mental, quase todos os dias, por qualquer motivo, alguém alerta para a fragilidade da nossa democracia e para o risco que ela corre. Pesquisa indicando queda na popularidade do presidente da República e melhora na avaliação dos adversários é sinal de risco para a democracia. O deputado que vai aos Estados Unidos para, de lá, do colo de Donald Trump e de mãos dadas com Elon Musk, atacar autoridades e instituições nacionais e chamar de canalhas os ministros do STF, vai mobilizar forças reacionárias e pôr em cheque a democracia.
Menos, pessoal, menos… Democracia é assim. Ela precisa de oposição para se fortalecer. Está exposta a todos os riscos, mas seu organismo – os cidadãos organizados – é capaz de reagir e repelir esses males. Deixemos os golpistas gritar. Eles vão ficar roucos (loucos, já são) e a democracia mais afinada.
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Foto da Capa: Gerada por IA.