Com certeza você já ouviu falar em danos morais, já acompanhou pela imprensa julgamentos envolvendo condenações milionárias, como no caso da atriz Amber Heard que foi condenada a pagar ao ator Jonhy Deep US$ 2 milhões, o que equivale a cerca de R$ 9,5 milhões, pelos danos que lhe causou.
Aqui no Brasil muitas condenações por danos morais ocorrem todos os dias, embora com valores bem mais módicos para evitar-se o enriquecimento sem causa da vítima ou dos seus familiares nos casos em que são indenizados.
Este artigo tratará um pouco sobre o que são os danos morais para o direito brasileiro e sobre a sistemática adotada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) para calcular o valor da indenização.
Dano moral
O dano moral é um dano imaterial, uma violação aos direitos da personalidade, e o causador desse dano deve reparar esses prejuízos sofridos pela vítima. O sofrimento psicológico, a angústia, a dor, o abalo emocional são consequências do dano moral, desse prejuízo moral.
Os direitos da personalidade de uma forma genérica englobam todos os aspectos referentes à identidade do indivíduo, como por exemplo, sua dignidade, seu corpo, seu nome, imagem, privacidade, liberdade, honra e intimidade.
Dano moral presumido (in re ipsa)
O Código Civil brasileiro determina que aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo, e de acordo com o nosso ordenamento jurídico, cabe a quem alega que alguém violou um direito o deve provar a conduta, o dano e o nexo causal.
No caso dos danos morais nem sempre é fácil provar o dano sofrido, o prejuízo incorrido pela violação aos seus direitos da personalidade, pois o dano moral é um dano imaterial, o prejuízo causado é de foro íntimo e suas consequências e a intensidade das mesmas não são facilmente mensuráveis.
Em razão disso, em alguns casos, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entende que o dano moral decorrente da própria natureza do ato lesivo é um dano presumido, pois ele decorre do próprio fato (in re ipsa), e por isso é desnecessária a comprovação do prejuízo psicológico.
Os exemplos mais comuns de danos presumidos são o overbooking, atraso e perda de voo, atraso da entrega de imóvel.
A jurisprudência sobre danos morais evolui a toda hora, e o STJ já declarou, dentre outras situações que causam o dano moral presumido, as seguintes condutas:
- Overbooking,atraso e perda de voo;
- Atraso de entrega de imóvel;
- Agressão física e verbal a criança;
- Violência doméstica, vias de fato;
- Morte de parente, tendo em vista que o trauma e o sentimento causado pela perda da pessoa amada são inerentes aos familiares próximos à vítima;
- Recusa indevida pela operadora de plano de saúde à cobertura de tratamento médico emergencial ou de urgência;
- Protesto indevido de título;
- Inscrição indevida em cadastro de proteção ao crédito;
- Uso indevido de marca;
- Publicação não autorizada da imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais;
- Apresentação antecipada de cheque pré-datado;
- Devolução indevida de cheque;
- Inscrição indevida no SISBACEN
Dano existencial
Em que pese o dano existencial seja também um dano imaterial, ele não deve ser confundido com o dano moral. Este último, como já mencionado, se configura pela lesão aos direitos da personalidade, enquanto o dano existencial fere a dignidade da pessoa humana ao gerar na vítima um vazio existencial, frequentemente caracterizado por longas jornadas de trabalho, recusas de férias, enfim por condutas que interferem na vida social, familiar, afetiva do empregado, que não lhe deixam exercer todas as dimensões da sua existência.
O dano existencial, embora pouco conhecido pelas pessoas, está detalhadamente previsto na Consolidação das Leis Trabalhistas, desde 2017, e ele pode ser cumulado com a indenização pelos danos materiais decorrentes do mesmo ato lesivo.
Dano estético
A seguir transcrevo o conceito de dano estético, a excelente definição exarada pelo Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, em julgamento de Recurso Ordinário Trabalhista:
“Configura-se como dano estético qualquer alteração morfológica do acidentado, como, por exemplo, a perda de um membro, uma cicatriz ou qualquer alteração corporal que cause não só repulsa e afeiamento, mas que também desperte a atenção por ser diferente.”
Enquanto o dano moral corresponde a uma violação ao psique da pessoa, à imagem da vítima, o dano estético decorre da modificação estrutural do corpo da vítima, da deformidade que lhe foi causada.
Assim, é cabível a cumulação de danos morais com danos estéticos, ainda que decorrentes do mesmo fato, quando for possível identificar em separado cada um dos danos.
Quantificação das indenizações por dano moral
No Brasil vigora o entendimento que a indenização deve ser o suficiente para compensar a vítima pelo dano moral, não poderá, portanto, caracterizar o enriquecimento sem causa, e tampouco ser irrisória. Outrossim, deverão ser verificadas as condições de quem pede a indenização e de quem pagará, a gravidade de cada caso, suas circunstâncias, o grau de culpabilidade do agente, a culpa concorrente da vítima.
Saliente-se, ainda, que embora há alguns anos o STJ tenha adotado o método bifásico para a fixar o montante das indenizações, os valores fixados ainda causam muita discussão, desconforto, irresignação e recursos processuais.
Isso decorre das diferentes realidades culturais, da extrema desigualdade social, e também da falta de previsibilidade jurídica com relação aos valores a serem pedidos nas ações indenizatórias, pois não existem critérios objetivos claramente determináveis e mensuráveis para a fixação do montante a ser postulado pela vítima e estabelecido pelos juízes para a compensação dos danos morais.
Método bifásico para fixação das indenizações
O método bifásico é constituído de duas fases. A primeira delas visa calcular valor básico da indenização considerando os valores dos precedentes jurisprudenciais, e a segunda chegar-se ao valor definitivo da indenização mediante ajustes que levarão em conta as circunstâncias de cada caso.
Veja-se abaixo a explicação do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino:
“Na primeira fase, arbitra-se o valor básico ou inicial da indenização, considerando-se o interesse jurídico lesado, em conformidade com os precedentes jurisprudenciais acerca da matéria (grupo de casos). Assegura-se, com isso, uma exigência da justiça comutativa que é uma razoável igualdade de tratamento para casos semelhantes, assim como que situações distintas sejam tratadas desigualmente na medida em que se diferenciam.
Na segunda fase, procede-se à fixação definitiva da indenização, ajustando-se o seu montante às peculiaridades do caso com base nas suas circunstâncias. Partindo-se, assim, da indenização básica, eleva-se ou reduz-se esse valor de acordo com as circunstâncias particulares do caso (gravidade do fato em si, culpabilidade do agente, culpa concorrente da vítima, condição econômica das partes) até se alcançar o montante definitivo. Procede-se, assim, a um arbitramento efetivamente equitativo, que respeita as peculiaridades do caso. Chega-se, com isso, a um ponto de equilíbrio em que as vantagens dos dois critérios estarão presentes. De um lado, será alcançada uma razoável correspondência entre o valor da indenização e o interesse jurídico lesado, enquanto, de outro lado, obter-se-á um montante que corresponda às peculiaridades do caso com um arbitramento equitativo e a devida fundamentação pela decisão judicial.”
Apesar de o método bifásico ser um grande avanço, na prática, há uma grande dificuldade de se conhecer os parâmetros que são adotados por cada tribunal, que ainda por cima nem sempre seguem literalmente a jurisprudência do STJ.
São milhares de julgados e poucas bases de dados para consulta. Por mais que o operador do direito examine a jurisprudência, pesquise para ver como os tribunais vem decidindo a respeito, fica impossível verificar estatisticamente qual é o parâmetro adequado, o que tem sido realmente utilizado pelo respectivo tribunal como balizador para o valor das condenações.
Os tribunais para a definição dos parâmetros que devem ser observados para a fixação das indenizações, de acordo com o método bifásico, considerarão como valor médio das indenizações, o resultante da média das indenizações para casos semelhantes, o que estatisticamente corresponde a soma de todos os valores divididos pelo número de observações, ou utilizarão o valor resultante da moda que é o valor mais frequente em um conjunto de dados, ou da mediana que é o valor do meio que separa a metade maior da metade menor do conjunto de dados?
A amostragem dos julgados, para chegar-se ao valor básico, utilizando-se conceitos estatísticos, será aleatória simples, sistemática, conglomerada estratificada?
Tais pontos não são claros, e sequer encontrei referências a utilização da ciência da estatística na pesquisa que realizei. Parece-me que ainda há um grande caminho a ser percorrido para que possamos ter uma boa previsibilidade dos valores das indenizações a serem postuladas e determinadas em juízo.
Espero que um dia os próprios tribunais disponibilizem para os juízes e operadores do direito os levantamentos estatísticos das condenações para os danos morais, existenciais e estéticos. Isso tornaria a atividade jurídica e jurisdicional muito mais previsível, com ganho para toda a sociedade.