Ondas, grandes e pequenas, duradouras, ou passageiras, de desleixo, incompetência, omissão, ganância, foram se juntando em dezenas de anos para formar esse quase tsunami que assola toda a população do Rio Grande do Sul e mobiliza o país inteiro no, talvez, maior movimento popular já visto por aqui.
Mas, mesmo essa enorme solidariedade nacional, não livrou o país dos efeitos colaterais negativos da tragédia. Golpistas, disseminadores de fake news, inimigos da democracia, preconceituosos, fabricantes de desinformação, negacionistas de todos os matizes navegam nas águas sujas da enchente e inundam a sociedade com suas mentiras.
Neste domingo, 12 de maio, o colunista Lauro Jardim, de O Globo, publica informações da pesquisa Quaest, realizada entre os dias 2 e 6 deste mês, constatando que 31% dos brasileiros receberam fake news sobre a tragédia gaúcha.
Os grupos de WhatsApp são os mais usados na transmissão das informações falsas. Desse um terço da população que recebeu fakes, 35% disseram que elas circularam em grupos de conhecidos. Outros 24% atribuíram as falsidades a grupos de amigos. Onze por cento apontam os políticos como fonte da desinformação. Depois, aparecem colegas de trabalho e parentes.
Agora, sabe o que me assusta mais do que as fake news? Primeiro, a quantidade de gente que acredita nelas, algumas tão absurdas que – para mim – teriam a desconfiança até das crianças. Tem gente, até hoje, convencida de que caminhões com donativos foram barrados em postos de fiscalização. E que o Exército não atua no resgate de flagelados.
Logo depois, a falta de competência dos integrantes do chamado campo progressista para fazer frente a esse verdadeiro tsunami de mentiras que inunda as redes sociais, arrasando reputações, enlameando o debate político e inflando as velas do barco da extrema direita.
Ah! E o desleixo do Congresso Nacional em relação à regulamentação dessa mídia, por onde circulam – sem nada que as contenha – enormes ondas de mentira, o negacionismo, os discursos de ódio, o preconceito…
As fake news, esse bem articulado processo de desinformação, de negação da política, de ataque às instituições democráticas e até de golpes financeiros, já contaminam o movimento de solidariedade nacional que brota como efeito colateral positivo da tragédia do Rio Grande do Sul. Tem gente pondo em dúvida o destino das doações.
Então, se não for represada com brevidade e eficiência, essa enxurrada de desinformação vai escorrer pelas telas dos nossos mais de 200 milhões de celulares e outros tantos computadores e tablets e afogar o Brasil em mentiras, desqualificação das instituições e da democracia.
E, por favor, não me venham com esse papo furado, essa conversa fiada, esse caô de direito à liberdade de expressão, que só faz bem aos interesses dos disseminadores da mentira. Liberdade para mentir e insuflar o ódio é liberdade indevida.
O Rio Grande do Sul vai ser o alvo das fakes. O governo do estado, as prefeituras, o governo federal imagino que já estejam preparando grupos de acompanhamento do trabalho de reconstrução do estado e de apoio às populações atingidas. A contratação de serviços, a aplicação dos mais de R$ 93 milhões doados via PIX, o estabelecimento de prioridades…tudo isso vai ser gancho para os disseminadores da desinformação.
Os governos precisam montar uma estrutura de comunicação capaz de enfrentar o vendaval de mentiras que deve vir por aí. A ocupação de espaço nas redes sociais, onde, até hoje, a direita antidemocrática nada de braçadas, é o grande desafio que se apresenta ao lado bom da sociedade, enorme maioria como mostra o movimento de solidariedade aos gaúchos.
Para terminar, deixo uns versos de Martin Fierro, o gaucho argentino, criação de José Hernandez, que convocado pelo Exército, não se submeteu aos maus tratos dos superiores e foi considerado desertor. Homem firme em suas convicções, Fierro acabou conquistando como seu grande amigo, o sargento Cruz que tinha por serviço prender o desertor. Assim cantou Martin Fierro:
“Junta esperencia en la vida / Hasta pa dar y prestar / Quien la tiene que pasar / Entre sufrimiento y llanto, / Porque nada enseña tanto / Como el sufrir y el llorar”.
Foto da Capa: Gilvan Rocha | Agência Brsasil
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