Por integrar uma família adepta da cultura religiosa de matriz africana praticada no Rio Grande do Sul, denominada de Batuque, desde a infância acompanhava os mais velhos nas consultas aos Orixás, assim como em tantas outras oportunidades. Essa influência religiosa foi e continua sendo determinante na cadência da minha vida, assim como na de meus descendentes.
Entretanto, com o decorrer dos anos e através das experiências vividas, foi possível gerar uma compreensão mais aprofundada sobre os hábitos e costumes que a compõem. E um dos entendimentos que se formou é o de quão dispendiosa é a sua prática.
Então, com o propósito de conhecer as relações comerciais dessa manifestação cultural, assim como o de identificar os impactos provocados pelas Festas de Batuque, além de saber sobre sua valoração, realizei buscas e, constatei uma extensa lista de trabalhos com abordagens variadas, como por exemplo, no campo da antropologia, teologia, geografia, história, entre outros.
Contudo, apesar da existência de vasta bibliografia, não vislumbrei trabalhos com abordagens socioeconômicas. É muito provável que a falta de informações dessa natureza sobre a cultura religiosa de matriz africana seja conveniente para a sociedade, na medida em que, sob essa ótica, a ausência de referências permitirá que continue sendo considerada uma cultura desconhecida e, assim sendo, tida como periférica.
Entretanto, entendo que se possibilitarmos a abertura de informações socioeconômicas sobre a temática cultural de matriz africana, as pessoas estariam se distanciando da ignorância e dos conceitos pré-concebidos, assim como distorcidos. Acredito, inclusive, que com a disseminação dessas informações se esteja combatendo todo e qualquer tipo de preconceito, bem como está se promovendo a valorização e o reconhecimento de uma cultura, assessorando o processo de transformação social.
Por defender essa ideia, foi então que decidi ir à busca de um conjunto de dados que permitissem transformá-los em informações que possibilitassem a mensuração das Festas de Batuque com o propósito de justificar que a cultura dos povos e comunidades tradicionais de matriz africana se constitui em um elemento significativo da economia cultural de Porto Alegre. Além de comprovar que desempenham um papel dinâmico que estimulam determinadas atividades econômicas, como por exemplo, o artesanato, o comércio, entre outros, gerando emprego e renda.
Com o estudo, observei a existência de diversos impactos que contribuem para o desenvolvimento de Porto Alegre. Entre os vários impactos verificados destaco aqueles julgados como principais, entre eles os de perspectiva econômica, assim como os reflexos de natureza social, cultural e ambiental.
Foi possível perceber que a dimensão econômica é constituída por efeitos de natureza direta, indireta e induzida. Os efeitos diretos se caracterizam pelos gastos realizados em bens e serviços utilizados pelos adeptos para participarem da manifestação cultural e, dependendo, se o participante não reside em Porto Alegre, ocorre o reflexo direto na cadeia produtiva do turismo e outras associadas, como gastos em hospedagem, transporte, alimentação, entre outros. No tocante aos efeitos indiretos, são os bens e serviços que as empresas de turismo, assim como outras indústrias compram de seus fornecedores, formando a cadeia produtiva da Festa de Batuque. No que diz respeito aos efeitos induzidos, por seu turno, estão associados aquilo que é gerado de salários, aluguéis, tributos e juros recebidos provenientes da geração de outras atividades econômicas.
No tocante ao aspecto social, os impactos detectados estão voltados a questões que absorvem assuntos sobre autoestima, segurança alimentar e a saúde. No que respeita o conteúdo de natureza cultural, observou-se que são nos terreiros que acontecem à transmissão dos saberes, ou seja, são espaços de valorização cultural. No que corresponde aos impactos de natureza ambiental, a temática que envolveu essa perspectiva trata do processo de conscientização ambiental promovido pelos terreiros.
Agora, se aproximando do final e procurando detalhar um pouco mais o estudo sobre a dimensão econômica, os resultados encontrados sobre a dinâmica das Festas de Batuque sinalizam a geração de mais 13.000 (treze mil) postos de trabalhos diretos em Porto Alegre. Assim como, após a aplicação de medidas econométricas consagradas para apuração de valor de um bem cultural, o Método do Custo de Viagem (MCV) e o Método de Valoração Contingente (MVC), computou-se que essas manifestações culturais, consomem, aproximadamente, R$ 1,3 bilhão/ano, o que representa 1,73% do Produto Interno Bruto (PIB) da capital gaúcha, base 2018.
Com isso, creio que a cultura dos povos tradicionais de matriz africana deve ser idealizada como um espaço que reconhece, inclusive, a dimensão econômica de suas atividades, uma vez que para sua realização requer uma série de trocas envolvendo transações que resultam no fluxo circular da renda. E concluo de que está mais do que na hora da cultura dos povos tradicionais de matriz africana sair da invisibilidade, ser reconhecida, não como uma crença que cultua o demônio, o que não é verdade, mas sim, como uma cultura que contribui para a evolução de uma localidade, considerada, inclusive, um vetor para o desenvolvimento econômico e social de um território.
*Cláudio Soares dos Santos é doutor em Desenvolvimento Regional com ênfase em Organizações, Mercado e Desenvolvimento, Mestre em Administração com ênfase em Gestão Estratégica de Operações e Relações Interorganizacionais, graduado em Técnicas de Comércio e Serviços e em Ciências Contábeis. Membro da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN). Professor no Centro Universitário Fadergs da Área de Gestão & Negócios. Membro do Ânima Plurais, grupo de professores com dedicação de tempo de trabalho às questões da diversidade e pluralidade.