Essa semana recebi um relato insano, para dizer o mínimo, sobre um processo de desligamento de energia elétrica em uma residência na cidade de Porto Alegre. O caso é de uma amiga gaúcha.
Há semanas que ela busca desligar a energia elétrica do apartamento onde seu pai, agora falecido, morava. A facilidade para se adquirir um plano de energia elétrica não se reflete nas mesmas benesses para se desligar de um.
Não fico indignado pelo fato do caso ter ocorrido — fato ainda em movimento – com uma amiga, mas com uma cidadã. Uma cidadã que tem direitos e deveres. Entre os deveres, nem precisamos lembrar das inúmeras obrigações civis, tributárias e econômicas que todo cidadão brasileiro possui. O ponto é a questão dos direitos.
Quando se diz “direitos”, vamos entender que é o direito a contrapartidas em relação às obrigações. Se o cidadão tem o dever de pagar suas contas, no caso, de energia elétrica, em dia, e quando não o faz, a concessionária ou empresa responsável pela gestão cobra multas e juros (por vezes exorbitantes), então…
Não, a contrapartida não é simétrica. O cidadão que não tem seus direitos respeitados pela concessionária, ou corporação, de energia elétrica não é (e não será, não no contexto atual da legislação brasileira) onerada com multas e juros por parte do cidadão. O que acredito ser uma medida justa. É a tal da reciprocidade que nesse caso não existe.
Quando se trata de juros e multas para empresas, parece até que estamos falando em um tema tabu ou não permito. Quando não, impensável. O caso não é de política, mas pode(ria) ser.
Como diz o mote do antigo jornal carioca Pasquim: “Aos amigos tudo; aos inimigos, a justiça”. No Brasil, como a grande maioria dos cidadãos e cidadão não são amigos dos proprietários das concessionárias de energia elétrica (que pasmem, possuem em boa medida sócios internacionais), nos resta a justiça. E como a justiça também não é para amadores nem para cidadãos comuns, pouco nos resta.
É preciso mais engajamento crítico em nosso cotidiano para não ser necessário acionarmos na justiça, casos esdrúxulos como esse. É preciso uma inversão total do sentido da correlação de forças. Afinal, se estivéssemos em uma democracia, os direitos seriam materializados de modo eficaz e eficiente. A ilusão de que empresas e corporações do segmento privado são a solução para os problemas políticos no Brasil ainda é uma realidade. O caso das Americanas é um exemplo típico. Onde está a “expertise em gestão” das empresas privadas. No caso de Porto Alegre, a gestão só funciona para o lado dos sócios-proprietários e contra os cidadãos. Aqui, após mais de trinta dias, a energia necessária para se desligar da “excelente gestão” da concessionária gaúcha ainda é brutal