Qual a relação entre o comportamento de um finlandês, um chinês e de um gaúcho? Pois eu encontrei uma relação numa conversa com um amigo durante um churrasco quando ele me contou que, certo dia estava no aeroporto de Helsinki, na Finlândia, quando ocorreu uma pane no sistema de controles com cancelamento e desvios de voos, enfim, aquele pequeno aeroporto ficou superlotado, os passageiros não sabiam se iriam ou não embarcar e qual seria o tempo de espera. A Finlândia, que é reconhecida como o país que tem o melhor sistema de educação do mundo e um povo muito educado, nesse dia perdeu a compostura. Após algumas horas de incertezas, foi crescendo a ansiedade, as pessoas foram perdendo a paciência e já não se respeitava mais as filas como de costume e a disputa pelo direito de embarcar não se diferenciou da situação similar em aeroportos brasileiros. Tinham pessoas exaltadas, funcionários nervosos, protestos e um certo “eu quero embarcar e o resto que se dane”.
Lembrei da vez que estive em Pequim, na China, e fiquei surpreso ao ver um grupo de pessoas se amontoando na frente da porta do elevador e, quando a porta abria, mesmo vendo que o elevador estava lotado e as pessoas querendo sair, se estabelecia um empurra-empurra entre os que queriam sair com os que desejam entrar. Eu não conseguia entender por que os que estavam fora não deixavam os que estavam dentro sair para depois entrar? Um colega chinês me explicou: “Porque existe o risco de alguém que está atrás passar na sua frente e você ter que ficar para a próxima vez. Então, use os cotovelos, a sua força, faça o que for preciso, mas entre logo nesse elevador!”
Cito estes dois exemplos com base em experiências vividas pelo meu amigo e por mim, apenas como ilustração, sem a pretensão de generalizar que este seja o comportamento dos finlandeses e chineses em situações de escassez. Meu propósito é refletir sobre o comportamento ético do ser humano frente à escassez. Este tema é abordado em filmes como “O Poço”, “Jogos Vorazes”, na série “3%”, assim como temos relatos positivos de pessoas que situações de extrema dificuldades, como no filme “Hotel Ruanda”, baseado em fatos reais, no qual o gerente do hotel, num ato de extrema coragem, evitou o genocídio de 1200 tutis. A pergunta que trago é se casos como este são exceções ou se a literatura e o cinema vendem mais ao mostrar um ser humano egoísta e antiético?
Trazendo esta discussão para um problema atual, a crise climática, tenho visto gestos solidários das pessoas que não foram afetadas ajudando as vítimas das enchentes e de outros eventos extremos. Nos últimos meses no Rio Grande do Sul, um ciclone atingiu a região do Vale do Taquari provocando a morte de mais de 50 pessoas e a destruição de várias cidades. Dois meses depois teve nova enchente na região. Em Porto Alegre, as águas do Guaíba invadiram a cidade, levando a sair peixes pelos bueiros.
Gostaria muito que estes fossem eventos isolados e que não se repetissem nos próximos anos, mas sendo realista e conhecendo um pouco dos efeitos das mudanças climáticas, sei que existe alta probabilidade de que isto volte a acontecer. Penso que é preciso nos prepararmos para este cenário, nos prepararmos para ajudar as vítimas como também para a possibilidade de estarmos entre os atingidos. Num cenário de escassez, como iremos nos comportar? Vamos correr para os supermercados para armazenar papel higiênico ou seremos capazes de partilhar nossas reservas de alimentos com quem nada tem?
Se formos atingidos por algum evento climático extremo, espero que não nos comportemos nem como os finlandeses no aeroporto de Helsinki furando filas, nem como os chineses se acotovelando na porta dos elevadores em Pequim, mas sim, como os moradores atingidos pelas enchentes do Vale do Taquari, que mesmo tendo perdido tudo o que tinham dentro de casa, encontraram forças para ir trabalhar nos centros comunitários e ajudar outras pessoas que precisavam de ajuda. Que uma eventual escassez desperte em nós nossos melhores sentimentos.