Quem colocou a frase acima em circulação, atribuindo-a a Vladimir Ilich Lênin, foi o cineasta Jean-Luc Godard, na década de 1960. O fato é que sintetiza bem a visão de mundo da juventude mais idealista do século passado, que pensava na técnica da revolução e que hoje está subjetiva e objetivamente absorvida pela revolução da técnica.
Já se tornou lugar comum afirmar que interesses financeiros orientam as pesquisas científicas e deturpam as relações entre cientistas e a sociedade. Os sociólogos da ciência assinalam que os pesquisadores científicos se comportam como a maioria das pessoas comuns, não estando livres de erros os quais, não raro, produzem consequências indesejáveis. Também é fato evidente que a ciência não é neutra, mas dependente de organizações sociais, econômicas e financeiras no seio das quais ela atua. Enfim, ela se tornou uma nova religião, pois, como se sabe, os milagres não mais são solicitados aos santos da igreja, mas aos laboratórios produtores de medicamentos. E a ciência médica não está fora desse universo.
Este tema volta ao debate quando, mais uma vez, diante de um incidente com alguns pacientes, as autoridades sanitárias, pressionadas pelas mídias, exercem seu poder fiscalizador. Tarefa débil e esporádica, quando deveria ser rigorosa e permanente. Como se a confiança e o crédito moral esperado dos cartéis de medicamentos pudessem ser corretos e inquestionáveis.
As indústrias farmacêuticas, como se sabe, não são entidades filantrópicas, embora se apresentem com esta auréola, e não têm problemas éticos quando arrasam incipientes indústrias similares de países do terceiro mundo. Pois não é senão com os piedosos objetivos de curar as inúmeras moléstias que atingem o ser humano que elas, assim agindo, inundam o mercado com uma oceânica quantidade de drogas, boa parte delas muito eficientes, é verdade, outras inúteis, algumas sem quaisquer benefícios prometidos aos pacientes e até prejudiciais.
E todas muito caras.
Nas tarefas de manutenção da saúde e prevenção de doenças, a ação dos medicamentos pode ser eficiente, mas não é, sob o ponto de vista terapêutico, a mais importante. A higidez física e mental das populações é mais função de medidas sanitárias, econômicas e sociais do que da ação de drogas farmacológicas. No entanto, por um processo perverso na condução de prioridades administrativas e políticas, hospitais, exames laboratoriais, cirurgias e produtos farmacêuticos se tornaram objetivo de campanhas eleitorais de políticos demagogos e dos agentes da burocracia.
Quando as maiores verbas do ministério responsável pela prevenção de doenças são destinadas às medidas curativas, as doenças e as verbas não param de crescer. Com o passar do tempo, umas e outras se tornam incontroláveis. E então os fatos desagradáveis são explicados com versões que não justificam nem corrigem os fatos ocorridos.
A confiabilidade e a integridade ética dos profissionais que se envolvem com a pesquisa clínica e com a assistência médica nos tempos difíceis e mutantes que vivemos, passam, sem dúvida, pela transparência que envolve uma relação entre duas pessoas: o paciente e o médico. Há um terceiro participante entre eles: a sociedade contingente.
Não há mais razão na era das incertezas globais em acenar com a crença do progresso ilimitado da medicina do futuro, que tem seus limites conceituais e não apenas técnicos.
Por isso, torna-se necessário tomar consciência de onde se quer chegar e de se perceber que o caminho será indicado não apenas pela ciência, mas pela ética que deve nortear as ações humanas em geral.
E, se possível, com estética.
Ad libitum!!!
Franklin Cunha é médico e membro da Academia Rio-Grandense de Letras
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