Eu e meu filho Amir, que é autista, estivemos em uma escola particular de Porto Alegre, na semana passada, conversando sobre autismo, TDAH com alunos do 6º ao 8º ano. O olhar desses adolescentes foi muito mais compreensivo e menos julgador e condescendente do que observei nas palestras e conversas que tenho com adultos sobre o tema.
Adolescentes estão em um momento em que a descoberta de si mesmos e do mundo que os rodeia é vibrante. Mas, se eles vivem em um mundo que oferece cada vez mais e mais informações, é necessário cautela para navegar na Internet e nas redes sociais para se cercar de saber fidedigno e não perder tempo com mitos e mentiras.
O mês de abril é uma boa oportunidade para isso. Afinal, o Dia Mundial de Conscientização do Autismo é celebrado no dia 2 e as atividades e iniciativas ligadas ao tema costumam se estender por todo período e invadir maio. Um bom exemplo é o da Revista “Veja Saúde”, cuja capa chama para a matéria “A Redescoberta do Autismo”.
A publicação diz que “o aumento no diagnóstico, as descobertas da neurociência e o crescimento do ativismo estão mudando a cara do transtorno do espectro autista (TEA)”.
O incremento nos números foi tema da minha coluna no final de março, após a divulgação de dados da Rede de Monitoramento do Autismo e Deficiências do Desenvolvimento do CDC, o centro de epidemiologia do governo dos EUA. O estudo constatou que cerca de 1 em 36 (2,8%) crianças de 8 anos foram identificadas com TEA, número maior que o apresentado na investigação anterior, que havia mapeado 1 autista em cada 44 crianças.
A revista Veja deixa claro que “os especialistas afirmam que não é que está aumentando, é que hoje se conhece mais e se sabe melhor detectar a condição”. Alerta mais do que necessário, afinal, cada pesquisa dessas é seguida de pessoas falando em “epidemia de autismo”, o que é descartado pelos especialistas atuantes na área. Dito isso, nem leia aquelas matérias de credibilidade duvidosa dizendo que vacinas, agrotóxicos ou os smartphones são os responsáveis por esses números.
A ampliação no conhecimento da sociedade em geral sobre essa condição se dá tanto pelo avanço de estudos como pelo que a reportagem chama de “crescimento do ativismo”. Cada vez mais autistas têm exposto seus cotidianos, recorrendo às redes sociais como Instagram e Tik Tok e têm se engajado no movimento da Neurodiversidade, defendendo que as “diferenças neurológicas como o autismo e o TDAH não são patologias que precisam de cura e sim diferenças naturais, variações possíveis do cérebro humano”, conforme explica a ativista Ariana Carniell.
Se os primeiros movimentos a defender a causa, formados majoritariamente por mães e pais de autistas, tiraram a condição de sua invisibilidade apoiados por profissional da saúde que levaram conhecimento técnico para o grande público, os ativistas da neurodiversidade trazem um relato em primeira pessoa e nos contam como é ser autista em um mundo que pode ser muito agressivo e excludente para quem é diferente.
Um sinal de como o autismo tem engajado novas camadas da população é o Manual de Atendimento a Pessoas com Transtorno do Espectro Autista, uma espécie de cartilha com dicas sobre tornar o ambiente de trabalho mais acolhedor para autistas e publicado no final do mês passado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) – e disponível gratuitamente na Internet. Ambos, a revista e o Manual, escutaram a médica Raquel Del Monde, uma das principais referências da área e, ela também, criadora de conteúdo científico sobre o tema nas redes, levando informações esclarecedoras e de qualidade para o público leigo.
A cartilha diz que “um ambiente inclusivo aos autistas abrange comunicação efetiva, antecipação e previsibilidade, acomodações sensoriais e estratégias para situações difíceis ou delicadas.”
Uma dica importante de comunicação é o “uso de linguagem clara, simples e direta, evitando figuras de linguagem, ironias e sarcasmo.” De um modo geral, autistas têm um pensamento mais literal e concreto do que neurotípicos e nem sempre vão entender frases irônicas ou sarcásticas e isso não será por incapacidade intelectual, mas por ver e sentir o mundo de forma diferente que as demais pessoas.
Assim, em um ambiente de trabalho, ao se relacionar com pessoas autistas opte sempre por uma “mensagem explícita apontando o que deve ser realizado, quando deve ser realizado e como deve ser realizado.” Aliás, com pessoas não autistas e fora do seu ambiente profissional também prefiro ser claro sobre o que você deseja de seu interlocutor. Eu garanto que irá poupar muitas dores de cabeça.
Assim como a próxima dica: “manter o tom de voz baixo e amigável”. Se a comunicação é uma via de duas mãos, essa ainda é a melhor forma de se comunicar com qualquer um, ainda mais alguém que você não conhece ou alguém que pense, sinta e aja de forma diferente de você. Um tom de voz mais alto pode ser ameaçador para muita gente.
É nessas horas que eu ouço muitas vezes, “mas eu sou assim”, indicando que a pessoa não quer mudar sua forma de agir em função de um colega de trabalho ou de outro ambiente de convívio. E isso é algo que dificulta a inclusão de pessoas diversas em um ambiente de trabalho – alguém não querer abrir mão de costumes ou convicções que prejudicam outras pessoas em nome de seu “jeito de ser” ou da “liberdade de expressão”.
Lamento dizer, mas essa é uma forma de excluir os outros e de discriminar alguém por suas características pessoais. Espero que tenha ficado claro.
Um lembrete superimportante é “dar o tempo adequado para o autista entender a mensagem e elaborar a resposta”. Pessoas diferentes reagem aos demais, assim como fazem suas tarefas, em um tempo diferente. Como cantava Renato Russo, “temos nosso próprio tempo”. Mas ter seu próprio tempo, seu ritmo ou sua pressa no cotidiano, não obriga os demais a segui-lo. É na convivência que as coisas se ajeitam desde que cada um saiba os limites do outro e o que cada pessoa pode ou não fazer.
Uma qualidade importante para adaptações, buscando um ambiente acolhedor à diversidade, no que se inclui os autistas, é a flexibilidade. Ser flexível implica em ouvir as necessidades dos outros e avaliar se o que estamos pedindo ou a forma como trabalhamos é realmente necessária ou se estamos apenas fazendo tudo de forma automática ou da forma como nós queremos que seja assim.
Abrir-se à diversidade implica em se abrir para novas formas de viver, respeitando quem vive de forma distinta da nossa, mas também nos leva a questionar a forma como agimos em nosso dia a dia e em como nos relacionamos com os demais. Há uma frase que circula na Internet que diz que uma mente que se abre é igual a um paraquedas: depois que abre, não fecha.
E você não quer pular no mundo com um paraquedas fechado, não é?
Foto da Capa: Tima Mroshnichenko / Pexels