Quando olhamos para o nosso ciclo de vida, enxergamos com clareza uma linha de tempo linear, iniciando com a infância, seguindo com a adolescência, fase adulta e a velhice. Dando tudo certo, morreremos bem velhinhos.
E, preferencialmente, além de bem velhos, morreremos rodeados pela família, que nos ama e pranteará e contará nossas histórias como exemplos aos que ficaram. Mas como será essa família?
A nossa vida é algo que vivenciamos individualmente e que se dá numa linha de tempo horizontal. No geral, quando nos referimos às nossas histórias costumamos pensar nelas a partir desse prisma pessoal.
No que se refere ao ciclo de vida pessoal, se refletirmos em como ele acontece, podemos pensar que se desenvolve dentro do ciclo de vida da pequena e da grande família na qual estamos incluídos. Mas que família é essa?
A família através do tempo
Uma forma de compreender a família é percebendo de uma maneira linear, ou seja, em estágios. Um deles, é o modelo criado pelo sociólogo Duvall, que separou o ciclo de vida familiar em oito estágios:
- Casamento – O casal sem filhos necessita tornar-se independente da família de origem, adaptar-se e criar um sistema próprio.
- Nascimento do 1º filho – Aceitação e adaptação ao novo papel de pai e mãe. Criação do vínculo mãe-filho e pai-filho. Acertos com relação às tarefas de cuidado com a criança.
- Família com filhos pré-escolares – Tolerância e ajuda com a autonomia dos filhos. Início do processo de socialização e controle. Modelos de identificação e papel sexual. Tensão entre os papéis desempenhados pelos pais no mercado de trabalho e como cuidador familiar.
- Família com filhos escolares – Apoio para abertura do mundo extrafamiliar e aos trabalhos escolares.
- Família com filhos adolescentes – Ajustes com as necessidades de independência. Desafio com a flexibilização dos limites.
- Família com filhos fora de casa – Criar tolerância à partida e à independência dos filhos, surgindo o que se chama “ninho vazio”.
- Família com casais sozinhos de meia idade – Readequar e revitalizar a vida do casal. Assumir os papéis de avós. Enfrentamento das perdas: juventude, saúde, trabalho etc. Desafio da aceitação da mudança de geração.
- Família anciã – Os pais estão velhos e precisam de extrema ajuda e afeto. Enfrentar a solidão e a morte do/a companheiro/a.
Agora, olhe para sua pequena família e me diga, em qual estágio ela está? E a sua grande família, avós, tios, irmãos, primos? Em qual etapa do ciclo de vida familiar eles estão?
Como uma pedra num lago
Por vivência, sabemos que a transição de um estágio do ciclo familiar para outro provoca ajustes, ansiedade e estresse na estrutura familiar. No entanto, o que deixamos de perceber é que seus efeitos vão além da nossa “pequena família” e atravessam não apenas a linearidade do tempo, mas também há todo um caldo multigeracional no contexto. As demais famílias, que fazem parte daquele grande núcleo, são influenciadas de uma forma ou outra pelos acontecimentos. E há que se considerar que com o aumento da longevidade da nossa população, hoje temos até quatro, ou mesmo cinco, gerações convivendo ao mesmo tempo.
Outros fatores influenciam as famílias
Assim como as pessoas na sociedade, há que se considerar todos os fatores socioeconômicos e culturais que fazem pressão sobre a família e entre as famílias. As famílias estão sujeitas às questões de desigualdade e às tensões quanto à renda, gênero, raça, religião etc.
Família não é uma empresa
A única forma de entrar numa família é por nascimento, adoção ou casamento. Para sair, ou você morre ou descasa. Mesmo descasando, você será sempre a/o ex-mulher ou ex-marido. Totalmente diferente de uma empresa na qual você pode pedir demissão ou ser demitido e nunca mais querer ouvir falar a respeito e sequer colocar no currículo.
Mesmo que um pai ou uma mãe abandone a família, outra pessoa jamais poderá substitui-lo/a, mesmo que cumpra o papel. A base da família são seus relacionamentos. Ela ocupa um campo emocional essencial na nossa vida.
O tipo padrão de família
Hoje, o Censo 2022, nos informa que a família brasileira possui menos de três pessoas. Ou seja, é composta, quando muito, por um casal e um filho. Mas, se olharmos para a vida, para o que acontece, encontraremos modelos dos mais distintos: casais vivendo juntos sem casar, casais tendo filhos sem casar, mulheres que não querem casar, mulheres chefes de família, avós tutores de netos, casais em seu 1º divórcio, casais em seu 2º divórcio e com os filhos da união anterior, casais idosos vivendo com filhos adultos em casa, casais lgbtqiapn+ sem filhos, casais lgbtqiapn+ com filhos.
Se formos acrescentar os fatores como a morte de um cônjuge antes da velhice, ou como a experiência de um deles com uma doença crônica, ou alcoolismo, isso também altera o ciclo de vida das famílias. E, para além disso, podemos incluir as questões culturais, como a migração, que afeta a família por várias gerações, como vemos acontecendo no Brasil entre as regiões do país e na recepção de famílias de outros países.
Por tudo isso, penso que está na hora de a gente se desapegar da ideia idealizada de família normal: “pai, mãe e filhos”, para a de uma família real, a que existe. Encarar com mais leveza as novas conjugações familiares, retirando de nosso vocabulário expressões que produzem violências e discórdia, como “mãe que trabalha”, “família sem pai”, “filhos do divórcio”, “filho ilegítimo”, “filho adotivo”, para ir na direção da construção de relações positivas e de vínculos de afeto.
O que a família tem a ver com longevidade
É na experiência familiar, na primeira infância, que aprendemos como nossos anciões devem ser tratados e como a velhice é percebida pelas figuras basilares de nossas vidas, nossos primeiros cuidadores, pai e mãe. A partir dessa visão iremos nos relacionar com o envelhecimento. Estudos da Organização Mundial da Saúde – OMS demonstram que crianças a partir dos quatro anos já revelam o seu idadismo, ou seja, preconceito com relação à idade.
Por outro lado, na velhice o vínculo é fator de prolongamento da vida. O maior estudo longitudinal do mundo, feito pela Universidade de Harvard, demonstrou que as pessoas mais conectadas à família, à comunidade e aos amigos são mais felizes e fisicamente mais saudáveis do que aquelas menos conectadas. Estudo escocês publicado agora em novembro, realizado na Universidade de Glasgow, que utilizou dados de 458.146 adultos com idade média de 56,5 anos cadastrados no banco de dados UK Biobank e os acompanhou por 13 anos, identificou que participantes sem atividades em grupo, vivendo sozinhos e sem visitas frequentes, enfrentam maior risco de morte.
Assim, aprendemos que a experiência de velhice vivida em família impacta na nossa expectativa de vida. Olhando para sua vida, já pensou como isso aconteceu?
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