“Matteus vice-campeão do BBB 24: ‘o Rio Grande do Rio Grande’ – Com seu jeito simples, autêntico, família e agregador, vice-campeão do BBB não ajudou apenas a ‘melhorar’ a imagem do homem gaúcho, tido como machista, grosso. Mas tornou-se um exemplo de brasileiro, de ser humano”.
E assim se iniciava a matéria, assinada pelo também gaúcho Giovani Grizotti, veiculada no G1 em 17/04/2024, que deitou só elogios ao comportamento do brother durante a edição deste ano.
O neurologista americano Robert Sapolsky, professor na Universidade de Stanford, tem uma ideia polêmica. Ele defende que o livre-arbítrio não existe. Que o conceito, cuja base é a capacidade de tomarmos decisões sem qualquer influência, é uma ilusão, porque somos frutos da nossa genética e do ambiente. Somos o resultado do que veio antes de nós e do que aconteceu conosco desde que nascemos.
Considerando essa perspectiva poderíamos tentar entender o porquê de Matteus Amaral, 27 anos, ter burlado a sua entrada na universidade utilizando-se do sistema de cotas para pessoas afrodescendentes, fato descoberto por internautas na semana passada. Talvez não o condenar de ofício pelo menos. Foi então que ele se defendeu: “Outra pessoa que fez a minha inscrição”, disse, explicitando de forma mais contundente o seu caráter. Tivesse sido feito por um terceiro, e tendo conhecimento do erro, poderia ter declinado da vaga. Mas usufruiu. Sem culpa.
Sapolsky é controverso. Aceitar plenamente seus argumentos seria decretar a descrença na humanidade, e jogar pelo ralo todo o arcabouço filosófico e moral da civilização ocidental em troca dos neurônios e das circunstâncias. Nossos monstros poderiam ser libertados das amarras e sair a dançar na festa das Bestas.
Não que as Bestas não estejam entre nós. Matteus (apoiado por sua mãe) não está só. Temo que boa parte das pessoas só condena os tiradores de vantagens pegos com a calça na mão por inveja. Diante de uma oportunidade, fariam o igual. É o mesmo princípio do ‘achado não é roubado’.
Fato é que líderes comunitários gaúchos estão sendo processados por desvios de doações para as vítimas das enchentes. Que vereadores e outros políticos foram pegos nos desvios e se defenderam como se tivessem a razão ao seu lado: “Peguei para distribuir aos meus eleitores atingidos”. E nem falamos dos outros, dos saqueadores de casas abandonadas, dos comerciantes que aumentaram preços de produtos escassos, como água e gasolina, das bombas de água afogadas… E a fila anda.
Sílvia Marcuzzo, aqui na Sler, já recomendou que a gauchada desça do pedestal e caia na real. E eu remendo: ao invés de levar a sério o hino estadual mais ufanista do Brasil, é hora de os gaúchos pensarem em buscar façanhas em terras alheias que lhes sirvam de modelo a sua terra, devastada econômica – pela enchente – e moralmente, depois que o gaúcho, “exemplo de brasileiro, de ser humano”, ficou nu em praça pública, sem o disfarce.