Ser associado do Sesc é uma maravilha em diversos aspectos. O local tem uma infinidade de atividades culturais, artísticas, sociais e esportivas, além de muitos espaços de convivência ou para ficar sozinho com um bom livro nas mãos, trabalhar no notebook ou, apenas, deixar o tempo passar…
Uma das grandes vantagens é o restaurante. Para quem é associado, o preço é de R$ 13,00 por pessoa. Há sempre uma opção de carne e uma vegetariana, com prato principal (hoje, quando escrevo essa coluna, a de carne será frango na cerveja), um acompanhamento (hoje será nhoque da mandioquinha), arroz (branco ou integral) e salada, que pode ser colocada no prato, mas também em um segundo pratinho, que vai junto na bandeja.
Para quem tem obsessão por higiene e só vai a buffets self-service se consegue ser a primeira pessoa a entrar e se servir, o Sesc é ainda mais fantástico. Tudo é incrivelmente limpo: há vidros que separam o consumidor da comida, que é preparada com sabor e cuidado meticuloso da equipe, para que seja balanceada, mesmo quando quem se serve é um glutão que exagera nas porções, como este cronista.
Desde quando começamos a viver em Santos, vamos ao local três ou quatro vezes por semana. Além de tudo que já citei, não vale mais a pena cozinhar em casa. Não é mais preciso comprar alimentos, lavar as saladas e, depois, os pratos, talheres, copos e panelas, gastar água, gás, eletricidade e, também, nossa energia. Ir ao Sesc economiza dinheiro, mas também nosso tempo. Depois dos 60, cada vez mais queremos utilizar nosso tempo para trabalhar, passear, namorar e não fazer nada.
Quando fizemos – Maria e eu – a carteirinha de sócio, avisaram-nos sobre todos os nossos benefícios, mas que há um único incômodo. Não dá para chegar ao Sesc e simplesmente almoçar. Tem que chegar cedinho e entrar em uma concorrida fila para comprar os tickets para um dos horários – o primeiro é às 11h e o último às 14h30.
De terça a sexta, a “bilheteria” abre às 9h. Aos sábados, domingos e feriados, às 10h. É preciso chegar sempre cerca de meia hora antes e esperar a fila começar a andar, lentamente. Somente quem já tem 80 ou mais é que pode chegar em cima da hora, já que há uma fila prioritária, o que faz muita gente com 70 e tantos anos festejar efusivamente a chegada aos 80.
– Esse é o único inconveniente – explicou-nos o funcionário. Aliás, o atendimento é outro diferencial dessa instituição, o que também contribuiu para que muita gente diga uma mesma frase, que ouvi pela primeira vez dita por um grande amigo, o fotógrafo Duda Groisman:
– O Sesc é o Brasil que deu certo!
Deu certo, mas quero declarar aqui que a tal “inconveniência” foi a única informação incorreta que recebemos desde que visitamos pela primeira vez o Sesc. Ou melhor, até seja correta para os outros, mas não para um cronista!
Antes de mais nada, e o que escrevo agora vale para mim e para a Maria, mas não necessariamente para todos, a distância que separa nosso apartamento do Sesc é um km, o que é fácil de percorrer em uma cidade onde quase tudo é plano. Assim, somente o ir e vir para comprar os tickets e, depois, para ir para o almoço, já me garantem quatro km diários de caminhada. Isso sem contar tudo o que dá para fazer nas dependências da entidade.
Mas entremos na vantagem que o inconveniente traz para o cronista. Para preparar-me para a espera, já levei livro, abri aplicativos de jornais e revistas, separei podcast, mas não tiveram qualquer serventia.
É quase impossível não ouvir, observar ou conversar na fila. Ou melhor, na “Fila News”, como definiram alguns dos senhores e senhoras que encontro diariamente.
Todo dia há uma história diferente. Ontem, planejei que não falaria com ninguém. Tinha uma matéria para escrever e começaria a escrevê-la lá mesmo, enquanto esperava pela minha vez. Mas aí um senhor passou e perguntou se a piscina já estava aberta.
– Não sei. Sou novo aqui e não conheço direito – respondi.
Na hora percebi a bobagem. A senhora que estava na frente virou-se para mim e indagou:
– De onde você é? Veio com quem para a cidade?
Em pouco tempo, como na antiga novela, Éramos Quatro em uma animada conversa. Antes mesmo que a fila avançasse, eu já sabia quantos filhos e netos e, em um dos casos, bisnetos, tinha cada um deles; o que faziam antes de se aposentar, para onde viajaram, quais os melhores restaurantes, cafés e padarias de Santos, detalhes sobre o show de chorinho que haveria em breve; quais os melhores dias e horários para entrar no site e tentar garantir vaga para a academia (25 reais mensais) e, também, sobre os incríveis hotéis que o Sesc tem em diversas regiões do País. Claro, nesse breve período também contei aos três boa parte da minha vida.
Hoje pela manhã, eu fui ao Sesc com a minha mãe, que veio a Santos para passar alguns dias com a gente. Já que podíamos esperar entre os +80, chegamos em cima da hora, quando faltavam nove minutos para os tickets começarem a ser vendidos. Mesmo assim, deu para conhecer uma incrível história, bela e, também, terrível, mas não trágica, que conto agora para você, leitor, leitora.
Uma senhorinha se aproxima:
– Aqui é a fila dos jovens?
– Sim. E olha que somos jovens há muito tempo – responde minha mãe.
As duas começaram a conversar. E eu também.
Um senhor também se junta à roda.
– Este é o meu marido. Na segunda-feira, completaremos 64 anos de casados – apresenta.
Minha mãe e eu damos os parabéns.
Ela acrescenta:
– Sessenta e quatro anos de casados e nunca discutimos!
– Não é um certo exagero? Não aconteceram algumas brigas? – indago.
– Não! – exclama entre enfática e orgulhosa. – Nunca discutimos em todos esses anos.
Respondo:
– Estou casado há 17. E também nunca discuti com a minha esposa. Mas não é por não discordar de nada. É porque morro de medo dela…
Os dois sorriem.
Ela mostra a aliança.
É fininha, quase imperceptível.
Antes que eu fizesse qualquer comentário, ela conta.
– Sabem, Santos é uma cidade segura. Aqui quase não há violência. É uma tranquilidade para todos, especialmente para nós, idosos. Mesmo assim, não é bom andar com o celular nas mãos nem com joias. Só levo essa pequena aliança. E dias atrás me aconteceu uma coisa, pela primeira vez.
Antes que prosseguisse com a história, pergunto se eles nasceram em Santos.
Ela responde que são de Aracaju, mas que vivem em Santos desde que se casaram. O marido já trabalhava na cidade e foi para Aracaju (não perguntei se foi a trabalho, se estava de férias…), onde se apaixonaram, casaram e foram para Santos.
– O que foi que aconteceu com a senhora?
– Eu estava próxima ao mercado de peixes e dois meninos me agarraram. Um deles abriu meus braços e ficou segurando. O outro pegou na minha mão para tirar a aliança. Mas fiquei com a mão bem fechadinha, os dedos bem apertados. O que poderia valer uma aliança tão pequeninha para eles? Talvez comprassem um pouco de droga! Sei muito bem que nessa hora a gente deve deixar levarem o que querem. Mas nunca tirei essa aliança do dedo em 64 anos! Para eles, não valia quase nada. Para mim, são 64 anos de um casamento lindo. Por sorte, um ciclista que vinha passando parou, gritou e veio me ajudar. Os dois meninos saíram correndo – conta.
Naquele instante, a fila começou a andar e seguimos rapidamente para a compra dos tickets. Na hora em que saíamos do Sesc, olhei para a direita e vi os dois caminhando, rumo à direção oposta da rua. Não sei para onde iam. Mas estavam de mãos dadas.
Sessenta e quatro anos de amor!
Eu não queria acabar essa crônica com uma frase piegas, mas tenho que contar que senti uma lágrima caindo do meu olho direito. Lágrima de ternura. E de gratidão.
Mesmo com a violência como pano de fundo, eu tinha ouvido e presenciado uma linda história de amor.
Estar na fila do Sesc não é um incômodo. É uma inspiração para as crônicas e para a vida.
Que chegue logo a hora de eu “enfrentar” a próxima fila!
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Foto da Capa: Acervo do Autor.