“O dizer do poeta se inicia como silêncio, esterilidade e secura.”
Octavio Paz
É maravilhosa a pesca de uma garça. Arte pura, como a dança dos humanos ou do fogo. São movimentos cadenciados, em harmonia, sem desperdício de gesto nenhum. Seu olhar é como o de uma águia, mas é uma garça que não abre mão e patas e asas para executar a sua arte, mesmo em pleno exercício de sobrevivência.
Seu voo é objeto de consumo da atuação dos melhores coreógrafos: nada falta, nada sobra, tudo está na medida e expressa muito. Evoca a mãe que alimenta o seu bebê transcendendo a comida que concede e imprimindo graça (de garça) e melodia à refeição. Agora, nada mais é concreto e tudo alcança o patamar de uma metáfora, palco de futuros deslocamentos, quando o voo em si tiver terminado, mas não o desejo de seguir voando.
Já o socó não precisava de tantas manobras. O seu processo era muito mais rudimentar. Alimentava-se tão somente de peixes mortos, logo não havia a necessidade de ajeitar um movimento no outro. Menos desafio de tempo, cadência, mutualidade. Um jeito mais simples de fazer a coisa de sobreviver, incluindo a possibilidade da feiura. Mas calhou de estar junto com a garça e, durante longo tempo, observou-a. Não satisfeito em estar junto e contemplar, resolveu imitar a garça, fazendo de forma igual e diversa, ou seja, a seu jeito inspirado no alheio.
Resultado: o socó aprendeu com a garça. Hoje é capaz de pescar como ela e quem o observa sente o mesmo arrebatamento. Não tem a elegância de uma garça, pois tem a elegância de um socó. A ela acrescenta-se a história do processo de uma aprendizagem, fruto da contemplação – e incorporação – da beleza e do contágio caloroso de um entusiasmo.
Observar a dança do socó arrebata e, juntando a sua história com o que contemplamos, aqui e agora, oferece também aquele patamar de deslocamento da metáfora.
Aprendi-o nos molhes da Barra da Lagoa, Santa Catarina, em um fim de tarde ventoso e pouco colorido, quando contemplava garças e socós, ao lado de um velho pescador. Tão velho que agora pouco saía, nos barcos iluminados, para pescar as lulas. Por isso, estava ali, junto às pedras, transmitindo em palavras para quem quisesse aprender.
Eu queria. Eu aprendi.
Professoras e professores precisam manter seu voo de garça para que cada aluno-socó usufrua da beleza de voar no que se aprende.
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