O meu olhar anda cansado da obviedade do presente e das pessoas que escrevem e defendem publicamente as chamadas “causas” e na prática invalidam a visão cultural das pessoas minorizadas. Não escutar o que as pessoas que sentem na sua pele o peso e impacto da violência, da invisibilização e do preconceito nos faz cansar de aliados fakes.
Na semana passada sugeri ao brilhante Marcos Bliacheris que escrevesse sobre o racismo recreativo e, ainda na semana, aconteceu o caso recorrente de racismo com Vini Jr, e mais um app de um game alusivo à escravidão, ensinando a caçar negros.
2023… e quando vamos para um debate menos amigável para abrir a realidade, os autoproclamados aliados nos invalidam e ironizam. Querem definir o que pode e não pode ser dito na luta antirracista. Preferem nos silenciar a calar as vozes brancas que nos ofendem. E assim seguimos: com uma grande parte de aliados fakes ao redor. Como meu amigo Marcos definiu: suco da branquitude.
Malcon X tem um vídeo brilhante que tornou a rolar na semana passada pela comunidade negra nas redes sociais, perante as reações de pessoas brancas na construção de uma aliança antirracista:
“O entrevistador pergunta a MalconX:
“Você odeia todas as pessoas brancas?
E Malcon responde:
“Não acho esta uma questão justa.
Eu nem considero os homens brancos nas minhas atitudes.
O Sr. Muhamed ensina: Ame seus semelhantes. E o homem branco que cuide dele mesmo.
Para o homem branco hoje, depois de sequestrar milhões de pessoas na África, depois de usar todo tipo de método para retirar nossa humanidade e nos tratar como cidadãos de segunda classe, perguntar se os odiamos é preciso muito cinismo.”
Malcon foi assassinado em 1965 e inspirou o movimento pantera negra no mesmo período ao defender a resistência negra, por qualquer meio necessário, inclusive a violência em casos de autodefesa. O discurso de Malcon em relação aos brancos era ácido, irônico, elevado e gerou incômodo nos Estados Unidos. Os brancos conservadores temiam que as declarações de Malcon X incentivassem revoltas organizados pelos afro-americanos, então o assassinaram, simples assim. Assim como mataram Martin Luther King e seu sonho. E como assassinaram Marielle.
Vamos voltar ao presente para entender a grandiosidade do que aconteceu no show de em Paris na semana passada. Para a mídia a bolshitagem: mãe e filha no palco. Para quem entendeu: Blue Yvi sobe ao palco na música “My Power”:
“Eles nunca irão tomar meu poder…
Eu estava sempre na liderança
Onde você quer estar
Eu sou quem eles querem ser…
Fúria em uma rainha, uma rainha tão forte
Refira-se a mim como uma deusa, cansei de modéstia
Eles dizem que nós somos demoníacos, anjos disfarçados
Eu odeio ter que disfarçar, por que você tem que desprezar?
Eles nunca tomarão o meu poder…”
E Blue Yvi e todos os bailarinos e bailarinas negros e Queen B levantam a mão no gesto da resistência negra, a mão cerrada nascida no movimento pantera negra.
São Paulo: Desfile da marca Meninos Rei, que tem o conceito de que todo menino é um rei. Não qualquer menino, mas meninos negros, pois é uma marca de moda afro-brasileira hypada. Tem um momento muito especial: a jornalista Astrid Fontanelle, mãe de Gabriel, menino negro adotado e maternado por ela de uma maneira linda, fecham o desfile e Astrid posta:
“Tenho muito para falar dessa experiencia que vivemos juntos hoje desfilando no SPFW para a Meninos Reis. Mas esta 1ª foto resume tudo: foi sobre poder e ancestralidade. Simbolicamente entreguei Gabriel e ele ergueu seu punho. Tá dito.”
Gabriel tem 14 anos, Blue Ivy 11 anos. Vini Jr 22 anos.
Vini Jr. ao ser xingado bate no peito. Reage. Não aceita de cabeça baixa.
Esta é a Gen Z preta. A Gen Z que tem acesso a nossa ancestralidade, que reage veemente no presente e que irá ser a personificação do nosso afrofuturo.
Olhar para eles me energiza. Me inspira e me faz respirar entendendo que tudo tem seu tempo. Mas no tempo deles a cabeça não será mais baixa, as vozes silenciosas e principalmente os diálogos infrutíferos com aliados fakes não serão necessários. Porque eles não vão negociar seu poder. O nosso poder.
Tá dito.
Foto da Capa: Blue Yvi / reprodução do Youtube