As consequências das novas aplicações da genética moderna são perturbadas por estridentes clamores, ora de entusiasmo, ora de reprovação (e desconfiança). Além disso, a genética humana está de muitas maneiras sob o domínio de grandes investimentos financeiros e muitas das descobertas ficam retidas sob registro de patentes, pois as empresas sendo de capital privado e tendo ações nas bolsas de valores, suas conquistas científicas são segredos comerciais, segregados por copyrights. E tal situação pode se chamar de tudo, menos de autêntica ciência, a qual segundo Bertolt Brecht, só teria uma única finalidade: “A de estar a serviço da felicidade humana “.
Clonagens animais e humanas estão na ordem do dia. Em princípio ninguém deveria temer os benefícios da reengenharia humana, que poderá eliminar terríveis doenças milenares. Todos darão as boas-vindas às terapêuticas genéticas corretivas a aos aperfeiçoamentos genéticos que poderão melhorar a qualidade de vida do gênero humano. Porém, devemos desconfiar de propostas que pretendem classificar e dividir as pessoas de acordo com a identidade genética, pois isto poderá discriminar certos segmentos populacionais. Se isso acontecer, a globalização, as leis do mercado, a economia pragmática, voltada apenas para o lucro, poderão se tornar as forças que determinarão o destino genético da humanidade e quem dominará e progredirá no mundo. A nova genética poderá seguir a mesma senda trágica do século XX, e poucos serão capazes de perceber as suas implicações devido à velocidade alucinante e alucinatória com que se darão os avanços científicos, elaborados em claustros corporativos dominados por interesses empresariais e pelos poderosos de turno.
O processo poderá desencadear uma gradual privação de direitos civis e de privilégios, provocados por uma genética baseada na economia, a qual criará uma subclasse de pessoas que não obterão emprego, assistência médica, escola, empréstimos bancários e seguros de vida.
E este processo já começou nos países do primeiro mundo.
Alguns desses países já estão discutindo a identificação genética não só para certas doenças, como para cidadãos comuns com a finalidade de prevenir a violência e o terrorismo (ou para aquilo que eles classificam como tal). Centros americanos de pesquisa sofisticada vêm discutindo um amplo espectro de sistemas de reconhecimento biológico e smart cards para aumentar a segurança dos EUA. Bancos de dados biométricos, que incluem impressões de DNA, já são propostos para aeroportos, serviços de imigração, postos alfandegários, emissão de passaportes e até para programas destinados a alunos estrangeiros. E a mais avançada tecnologia e os melhores técnicos desse essencial e importante setor de vigilância e rastreio foram e estão sendo criados em Israel, nos EUA e na China.
A identificação genética também está se tornando um bem de consumo em processos de paternidade, pesquisas de linhagens familiares, disputas de heranças. Laboratórios privados anunciam seus testes genéticos e, em breve, as impressões de DNA se tornarão tão comuns quanto as digitais.
O Medical Information Bureau (MIB), da poderosa indústria americana de seguros, é um imenso banco de dados que fornece informações médicas e certas características do estilo de vida de milhões de pessoas que requerem um seguro de saúde ou de vida. O ramo internacional de seguradoras considera a informação ancestral familiar e a genética como sua mais nova prioridade. Argumentam as seguradoras que, dentro da lógica do mercado, sua indústria não pode sobreviver sem essas informações e sem as resultantes restrições, exclusões e negativas de coberturas dos seguros que protegerão a liquidez das empresas. Famílias inteiras de seguráveis indesejados podem ser identificadas com a mesma sutileza e segredo com que os seguráveis indesejados étnicos eram identificados décadas atrás. A nova genética corporativa é movida basicamente pelo lucro, obedecendo a lógica implacável do mercado global.
E assim, em breve, teremos tecnologias mais sofisticadas que propiciarão bebês “mais saudáveis, fortes e lindos “, indivíduos mais capazes intelectualmente e mais aptos a obter educação, proteção social e pessoal, empregos e enfim, a ter “sucesso” e a viver num Brave New World. Mas estas correções não serão baratas. Somente os ricos, que hoje pagam por serviços de saúde personalizados e eletivos, serão capazes de pagar as despesas de correção genética. Desse modo, o fator econômico será associado com o aperfeiçoamento genômico e com a prolongação da vida de quem puder pagar por isso.
Franklin Cunha é médico e membro da Academia Rio-Grandense de Letras
Foto da Capa: Freepik / Gerada por IA
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