Ao assistir ao filme Medida Provisória, dirigido por Lázaro Ramos, escutei esse questionamento e carrego ele comigo quase como um mantra! Sabemos quando estamos mudando nossas vidas. Sentimos quando um acontecimento vai alterar nossa história pessoal. Aquela nomeação que estávamos esperando de um concurso público, a aprovação no vestibular, um emprego dos sonhos com o salário dobrado. O dia em que tu recebeste um diagnóstico de saúde que pode mudar tudo. Nós sentimos.
Porém, e na sociedade, será que a gente sabe que a história está acontecendo?
Nesse dia 25 de julho de 2023, reflito sobre o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha e tudo aquilo que essa mulher representa em nossa sociedade. Sabemos diversos nomes de mulheres incríveis e potentes. Intelectuais, pensadoras, pesquisadoras e famosas de fora do país e de fora do nosso Estado.
E as mulheres que estão fazendo a história mudar aqui mesmo ao nosso lado?
Quando Angela Davis discursou em São Paulo há alguns anos, ela trouxe à tona uma questão importante acerca do nosso comportamento enquanto pessoas pretas brasileiras: por que não estamos dando o devido valor às pensadoras pretas conterrâneas?
Por que estamos quase sempre referenciando nossas lutas e pautas em escritoras e pesquisadoras de fora do Brasil quando temos mulheres incríveis ao nosso lado?
Trago a reflexão para ainda mais perto: quantas potências femininas e negras nós temos aqui mesmo em Porto Alegre? Existem grupos organizados, coletivos, empresas, associações, comunidades, todos sendo liderados por pretas incríveis.
Se pararmos para pensar, estamos vivendo uma época sem igual: bancada negra na Assembleia Legislativa, mulher negra na Câmara dos Deputados e na Câmara de Vereadores, temos juíza negra nos representando e uma série de advogadas, escritoras (hoje mesmo temos livros sendo lançados). Temos clínicas médicas, consultórios e espaços de coworking e muitas iniciativas incríveis acontecendo agora mesmo, tudo isso pensado, organizado e executado por mulheres negras.
A história da nossa sociedade está mudando, tu consegues perceber isso acontecer?
Exemplifico: o que vai mudar em Porto Alegre depois da passagem da primeira bancada negra na Assembleia?
Nós temos o dever de manter pelo menos o mesmo número de cadeiras ocupadas por mulheres pretas nas próximas eleições municipais e estaduais. É isso que se espera da comunidade preta porto-alegrense: que honre o esforço, a batalha e a luta de nossas representantes negras, não permitindo que essa bancada se encerre agora. Tem ainda bastante trabalho a ser feito em prol das nossas comunidades e pelo nosso povo. Mas a estrutura vai mudando gradativamente e através de diversos esforços simultâneos.
Já imaginou se a partir de hoje nós nos comprometêssemos em fazer uma cidade e um estado que honrem e respeitem o trabalho, a produção e a vida das mulheres pretas como se elas fossem homens brancos? Já pensou que louco, se tivéssemos as mesmas oportunidades de emprego, os mesmos salários, se nossos filhos tivessem as mesmas chances na vida… exatamente do mesmo jeito que as pessoas brancas tem?
E se nós com nossas ações tivermos o poder de mudar o curso da história? Será que todos os movimentos atuais vão fazer uma sociedade com equidade racial e de gênero para as próximas gerações? Isso está acontecendo mesmo ou é uma ilusão?
Tu tens percebido a mudança?
Será que a gente nota quando a história está acontecendo?
Kênia Aquino é Comissária de voo atuando como chefe de cabine, graduada em Comércio Exterior, tem pós em Direitos Humanos, Responsabilidade Social e Cidadania Global. Idealizadora do perfil Voo Negro, cofundadora do Coletivo Quilombo Aéreo e do projeto ‘Pretos que Voam’. Atua como Produtora na Malê Afroproduções e diretora de Operações da Odabá – Associação de Afroempreendedorismo.
Foto da Capa: Marcelo Casal Jr. / Agência Brasil