Sempre amei história… me fazia viajar no tempo e como boa canceriana (esta colunista aqui é louca por astrologia kkk) voltava no tempo, nos eventos e nos fatos a partir das aulas repassadas na minha formação educacional. Mas que história? Uma história branca, eurocêntrica e colonizadora. Eu amava o processo de conhecimento, mas sempre me feriu as narrativas… e levei anos pra descobrir por quê…
Lembro que no 2º grau (hoje ensino médio) montamos (eu era do grupo de teatro do saudoso Julinho) a encenação do texto do Millôr Fernandes “A História é uma história e o homem é o único animal que ri”, que ele intitulava de uma comédia “histórico-histérica”. Encenado pela primeira vez no ano de 1976, o texto é extremamente político.
A “istória” aborda uma linha do tempo que começa na pré-história e segue até atualmente. E eu e meus colegas fizemos uma montagem, sob a direção da profe de francês que tínhamos, a saudosa Neiva Piva… que incentivava um bando de moleques de 15 anos a terem pensamento crítico… saudades de uma escola pública que fez história, e que hoje está nos piores ranking do Enem divulgado esta semana… mas isto também é outra história, como diria Millôr.
Mas por que trago isto esta semana? Porque relaciono história, memória e ausência de narrativas sobre a minha própria história, dos meus familiares, das minhas raízes. Vi uma amiga que estava empenhada há anos em ter sua cidadania italiana. Uma busca por documentação, vínculos familiares e aí o visto, ou melhor cidadania: seu retorno a origem de ser italiana.
Comemorada nas redes sociais com uma euforia e felicidade com a frase: Soy Italiana. Super entendo este movimento dos brasileiros em busca de uma fuga deste Brasil que aqui está… mas ele é pautado por esta narrativa histórica de que a Europa é o centro, e é melhor que todo o resto. Fomos todos educados assim, sob uma visão colonizadora.
E o meu povo? De onde vem? África encarada como um lugar único, sem história ou civilização por esta narrativa euro centrada… E meus ancestrais? Quais seus nomes reais? Suas origens? Suas cidades? Nossa história foi violentada, roubada e apagada em embolamentos humanos de navios escravagistas, com registro de pessoas como animais destinadas a fazendas.
Este tema da ancestralidade negra está na pauta dos pesquisadores, dos historiadorxs negrxs, de projetos de resgates como o Querino que será lançado em 06.08, na Revista Piauí, e na plataforma Ancestralidades negras do Itaú cultural, ao qual tive a honra de realizar a pesquisa de implantação em 2021 e atualização em 2022.
Porque é vital entender que houve uma narrativa construída de ausência, de apagamento. O Historiador Le Goff (1994), em História e Memória, nos coloca um grande desafio quando nos faz refletir sobre qual a relação entre o passado e a memória para a escrita da história.
O que ele pretende com essa provocação é demonstrar que, em relação à memória, o que sobrevive do passado chega até nós por meio das escolhas feitas “[…] pelas forças que operam no desenvolvimento temporal do mundo e da humanidade, e por aqueles que se dedicam à ciência do passado e do tempo que passa […]”, ou seja, os historiadores.
Isso quer dizer que, como a memória se prende a um espaço-tempo, a um passado que não existe mais, suas narrativas se constroem a partir da percepção que se tem dessa memória no presente e sobrevive porque são intensos os trabalhos de construção e reconstrução das lembranças e das recordações passadas.
Quais as implicações disso? Passam a surgir muitos discursos justificando a necessidade de preservação da memória para garantir a existência da história e, assim, generaliza-se o uso da palavra memória esvaziando seu sentido teórico. Esse descuido pode fazer com que a memória acabe se ajustando ao senso comum, atravessada pelo caminho da retrospectiva descuidada, reprodutiva ou seletiva.
Ou seja, se escolhe o lado da história para se contar as próximas gerações, quem são os vencedores, os vencidos, quem pode ter uma história, e quem não pode ter. Então, quando conheço a Rede de Historiadxs negrxs no Brasil, que está promovendo pesquisas, textos escritos, ações no Youtube, seminários de forma voluntária, fico feliz de ver que nossa resistência vai a este nível… e que teremos uma outra história pra contar para as gerações do futuro… de um povo que mesmo com a história violada manteve sua altivez e fez história nos resgate de suas memórias, pessoas e lutas.