As mulheres são melhores que os homens em tratar com deferência o prazer do seu órgão genital. Muitos livros, revistas e programas abordando o assunto, contando essa evolução, esclarecendo dúvidas e acabando com os medos.
Mas não basta simplesmente a supremacia, as mulheres nos outorgam a pecha de ignorantes sobre o playground delas, nos humilham em publicações nas redes sociais com acusações do tipo “não me fazia gozar” ou “se cruzar com meu clitóris na rua não o reconhece”.
“Mapa do Prazer da Vagina”, “Glossário Íntimo”, “Sexo e Prazer: o que você sabe sobre o Clitóris”, “Viva a Vulva; entender o órgão feminino é o primeiro passo para o prazer”, “A Pelve e o Prazer Sexual”, “Como Estimular o Clitóris e Tocar a Vagina (Dicas)”, são algumas das miríades de publicações que você obtém ao pesquisar no google “vagina e o prazer”.
Já se a pesquisa for “punheta”, aparecem “xvideos”, “pornohub”, “xhamster.com”, “redtube.com.br”, “pornocarioca.com” e outras coisas do gênero que, ao mesmo tempo que têm tudo a ver, também resumem a vulgarização e o menosprezo que a sociedade trata o prazer do “Reginaldinho”.
É a Rolofobia!
O clitóris é uma divindade instalada no Olimpo Virilhal, cantado em versos e prosas, preferido dos livros, revistas, estudos, cinema, pesquisas e publicações. No teatro, “Se meu Ponto G Falasse”, jamais “Grande Bobão, Pequeno Brincalhão”. Nem o cérebro humano mereceu tanta atenção. Reginaldinho é um vagabundo que tem de se contentar em brincar de estica/encolhe no playgound do xvideos…
E se não é pelo xvideos, Reginaldinho só é lembrado em propaganda do Boston Medical Group: você acorda bem-disposto, transbordando energia, liga a televisão para ver as notícias, e lá está um senhor idoso, de jaleco branco, ar professoral, vaticinando: “ – sete em cada dez adultos terão problemas de ereção”. O pior: ele parece falar diretamente contigo olhando dentro dos teus olhos!!! Como essa sensação ruim não pode ser real, você rola e para do outro lado da cama. Pasmem: parece que o apresentador virou a cabeça para continuar te olhando dentro do olho!!! Não adianta gritar: “ – Eu não sou broxa”, pois o recado é claro: “ – não é broxa hoje, amigão! E amanhã???”
Quem nos botou nesta enrascada foi o Freud e a tal Inveja do Pênis: começava a competição!
Karen Horney deu o primeiro soco no queixo do pai da psicanálise: é o macho que tem “Inveja do Útero” e faz de tudo para ser bem-sucedido na vida para compensar essa falha. Beauvoir entrou na sequência desancando o vienense ao dizer que a boneca não era representação do falo, mas a promessa do bebê que se tornará algo mais precioso que o pênis.
O que o Reginaldinho tem a ver com esse barraco psicanalítico, ele só quer ser bem tratado, receber a consideração dispensada à vagina!
As mulheres nem imaginam tudo que já passou o Reginaldinho…
Como esquecer a cena da entrada do colégio, olhos nervosos esperando aquele amigo descolado que levava a Playboy na mochila, aquele círculo se formando para ver aquela moita de pelos da Cláudia Ohana que podia abrigar uma família de ursos no inverno. Sempre um vigiava, pois olhar xereca podia levar à expulsão da escola; éramos revolucionários desbravando as matas cerradas da Cláudia Ohana. Tocava o sino, ajeitávamos o Reginaldinho, ou o escondíamos atrás da mochila, e íamos para sala de aula com aquela imagem colada na cabeça.
Mas, galo mesmo, era o colega que levava a revista em quadrinho de sacanagem. Normalmente eram do tamanho de um gibi: Cine Sex, Star Sexy, Fantasy, One Star… A estória era bem complexa: uma cara com um bigode anos 80 batia na porta; a mulher atendia em roupas sumárias; ele dizia que tinha uma encomenda; ela o convidava para entrar; ela tocava seu Reginaldinho; ele beijava seu mamilo intumescido; a felação começava; depois a penetração; e, no final, o orgasmo. Era só trocar o cara da entrega pelo vizinho pedindo açúcar, carteiro, bombeiro ou policial procurando bandidos que a continuação era sempre a mesma.
Daí vieram os videocassetes, as videolocadoras, os pornôs que antes só passavam naquele cinema de +18 anos. Nunca a tecnologia proporcionou tanta felicidade para um adolescente em busca de experiências. Lembro como se fosse hoje: 14 anos, saímos do Colégio Júlio de Castilhos na Avenida João Pessoa, íamos caminhando até o centro, percorríamos a Avenida Salgado Filho, descíamos na Rua Doutor Flores, dobrávamos na Rua General Vitorino, entrávamos numa galeria que no final tinha uma videolocadora.
Normalmente eram uns cinco, seis adolescentes. Só eu entrava para não chamar atenção. Cumprimentava de modo formal o atendente. E ia para a prateleira próxima aos pornôs para não chamar atenção. Pegava um filme cult e fingia ler a sinopse enquanto meus olhos procuravam um pornô de nome mais ou menos normal que pudesse passar meio desapercebido na locação. Hoje sei que o atendente sabia que eu ia pegar pornô e ele iria locar sem perguntas. Se somar os minutos gastos naquela misancene inútil, tinha estudado e me formado em língua russa. No final, aguardava esvaziar a videolocadora e chegava no balcão com o pornô entre outros filmes normais tentando parecer mais velho. O olhar blasé que até hoje me acompanha foi forjado naquele balcão de videolocadora. Fico com os olhos marejados lembrando quando loquei “Please, Mr. Postman”: que atrizes, que texto, que cenário!!!! A saída da locadora com a sacola e o pornô era a consagração, olhava com desdém pros colegas que me aguardavam, olhar entediado tipo “it´s my life”.
Então pegávamos o ônibus Cruzeiro do Sul para ir pra minha casa no bairro Cristal. Colocávamos o pornô pra rodar no videocassete e assistíamos extasiados a sétima arte. Todos virgens com olhares de profundos conhecedores do sexo selvagem. Tinha o Celso que pegava o cabo do aspirador para acalmar os Reginaldinhos salientes com pancadas na virilha.
Como o videocassete ficava na minha casa, eu tinha o privilégio de ter aquela sessão privativa quando todos saíam. Era tanta emoção que eu escolhia os melhores trechos para ter aquele momento pessoal.
Nessa altura, eu também tinha descoberto o esconderijo das revistas de mulher pelada que o pai guardava. Como esquecer os Contos Erótico no final da revista Ele e Ela: “Clarice segurou o mastro rijo de Eduardo que não se fez de rogado e avançou sobre os mamilos rosados dela”… Tive certeza do gosto pela leitura nos contos eróticos da Ele e Ela, pois podia imaginar a cena e os personagens, era mais excitante que os vídeos.
Daí você deixa de ser virgem, começa a trepar, e todo esse passado glamoroso vai se apagando como uma foto antiga…
Os anos passam, a Playboy fecha, as revistinhas desaparecem, acabam as próprias bancas de jornal que vendiam elas, e o sexo está disponível 24 horas na Internet.
Daí você olha o passado como um colonizador, o cara que fez sua cabana de toras no que viria a ser Nova York, desdenhoso dessas novas gerações que se vangloriam de encontrar anões albinos transando com esquilos numa torta gigante de framboesa com uma mera pesquisa no google. Soubessem esses moços dos riscos das primeiras revistas, da locação de filmes pornôs, da subtração silenciosa de revistas de mulher pelada da coleção do pai…
Mas nada disso comove o mainstream e sua obsessão pelo órgão genital feminino!
Quanto poderíamos aprender se houvesse o mínimo respeito pelos Reginaldinhos? Imaginem o mundo de opções se vencêssemos a Rolofobia: “Curso: como colocar a coxa sobre o braço para a mão ficar dormente, você fechar os olhos e imaginar que outra pessoa está socando uma pra você?”; “Shampoo, Creme Rinse ou KY: pesquisa mostra o melhor no 5 contra 1”.
Mas não, a Majestade do Clitóris impedirá que meros Reginaldinhos possam brilhar na sua passarela. Olho nos olhos da minha geração e digo: – Perdemos!