Existe uma idade certa para começar a fazer o que se gosta? Um momento exato na vida para realizar sonhos, ultrapassar barreiras ou simplesmente começar a fazer algo diferente? Quando eu era adolescente, ouvia dos mais velhos que ainda não estava pronta e tinha muito a aprender. Constantemente repetiam que era necessário esperar para perseguir meus desejos, já que eu tinha a vida inteira pela frente e não deveria me precipitar. Primeiro deveria adquirir experiência para que pudesse ser respeitada, depois poderia fazer o que quisesse. No lugar de encorajamento, essas palavras muitas vezes minaram minha coragem de ser quem eu realmente era, ou até mesmo de me descobrir, enfrentando meus medos e frustrações.
A espera pela “maturidade ideal” se tornou uma barreira invisível que, muitas vezes, me impedia de viver plenamente o presente. Agora, com mais de quarenta anos, reflito sobre muitas das minhas escolhas. Penso que talvez eu não devesse ter dado tanto ouvido aos conselhos que me ofereceram na juventude, sendo mais rebelde e menos conivente com as falas dos mais velhos. Talvez eu deveria ter seguido com mais determinação o que sugere a canção Epitáfio dos Titãs e feito exatamente o que queria fazer.
A sociedade, desde sempre, pressiona os indivíduos a seguirem uma linha cronológica rígida, onde cada etapa da vida é marcada por certas regras e hábitos. Segundo estes preceitos, a juventude é o tempo para aprender, a meia-idade para trabalhar e a velhice para descansar. Convenções que, por vezes, ignoram o fato de que em qualquer momento de sua existência uma pessoa pode aprender, criar e experimentar. Ou se é muito novo ou muito velho, e aí voltamos à reflexão do início desse texto.
O idadismo, também conhecido como etarismo, é uma forma de discriminação de pessoas com base na idade, e limita frequentemente o acesso de indivíduos, especialmente os mais velhos, a oportunidades de crescimento tanto na vida pessoal quanto na profissional. Esse tipo de preconceito não atinge apenas as pessoas mais velhas. Muitos jovens são considerados imaturos ou inexperientes demais para assumirem responsabilidade e lugares de destaque. A pressão para esperar o momento certo pode levar muitos jovens competentes naquilo que fazem a abandonarem os seus desejos em nome de uma suposta preparação que nunca parece ser suficiente. Felizmente, há aqueles que não se deixam limitar pelo etarismo e encaram os desafios da vida com determinação, provando que competência não tem idade.
Na literatura, encontramos exemplos como o de Cora Coralina (foto da capa), ao publicar seu primeiro livro aos 75 anos, e Isabel Allende, reconhecida mundialmente aos 40 com A Casa dos Espíritos. Há também jovens escritoras que, apesar da pouca idade, esbanjam talento com a sua escrita, como é o caso da porto-alegrense Renatha Pessoa que, com apenas 15 anos, já publicou dois livros: Quer jogar? Tesouras não cortam só cabelos (Editora Alcance, 2023) e Luzes, câmera e vingança (Editora Alcance, 2024). Inspirada na literatura de Agatha Christie, a jovem escritora demonstra interesse por tramas que envolvem crime e mistério. Sua habilidade para construir uma boa narrativa desafia qualquer ideia preconcebida sobre a “falta de maturidade” que se espera dos jovens escritores. É claro que Renatha ainda tem muito a aprender em sua trajetória, no entanto, a sua capacidade de criar e experimentar é uma prova de que a idade, seja ela qual for, não é um empecilho para começar algo novo.
Estudante do segundo ano do Ensino Médio, Renatha é uma leitora voraz. E podemos perceber a maturidade da escolha das suas leituras nas narrativas que escreve. No livro Quer jogar? Tesouras não cortam só cabelos, ela se utiliza do sarcasmo e da brutalidade dos seus personagens, envolvendo-os em um jogo do qual apenas o vencedor sairá vivo. Em Luzes, câmera e vingança, recentemente lançado na Bienal em São Paulo (essa menina vai longe!), a jovem escritora provoca o leitor com as ações de uma família burguesa e corrupta em busca de vingança. Nos dois livros, Renatha faz críticas à sociedade, utilizando-se de uma linguagem clara e objetiva, típica de uma adolescente da sua idade.
Esses exemplos, tanto de autores mais velhos quanto jovens, nos mostram que a criatividade e o talento não estão confinados a uma fase específica da vida. Assim como Cora Coralina nos encantou com sua poesia na terceira idade, e Renatha surpreende com sua precoce habilidade literária, todos nós temos o poder de fazer o mesmo em nossos campos de interesse, independentemente da fase da vida em que nos encontramos.
Foto da Capa: Cora Coralina / Divulgação
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