Recentemente, fui passar um final de semana em nosso litoral. Na saída de Porto Alegre, logo no início da estrada, reparei em um outdoor que anunciava os serviços de uma detetive particular. Pelo nome, deduzi que era a mesma profissional que costumava divulgar seu trabalho em pequenos cartazes colados nos postes da cidade, anos atrás.
Aquele anúncio, tão disfarçado e misterioso em um passado recente, agora estava em plena via expressa, sem nenhuma discrição. Confesso que isso me deixou decepcionada. Sempre achei que a maior parte do que se anunciava em postes pertencia a uma espécie de mundo de clandestinidade e mistério. Para mim, esses cartazes guardavam algo de panfletário ou da ordem de alguma contravenção, por estarem colados de forma livre e não oficial. É como se, mesmo estando na rua, o poste representasse um lugar um pouco menos público, um pouco mais retirado, apenas ao alcance do olhar de quem estivesse bem atento. Toda a aura de sigilo e mistério que envolvia o anúncio da detetive, em minha imaginação, acabou a partir daquele outdoor.
De qualquer maneira, esse choque de realidade me remeteu à lembrança das caminhadas que eu fazia com meu filho, hoje adulto, pelas ruas da cidade. Logo que aprendeu a ler, ele queria entender e saber tudo sobre o que conseguia ler pelo caminho. Também trocávamos ideias sobre algumas casas, fachadas dos prédios, as calçadas cheias de buracos e pessoas com quem cruzávamos frequentemente.
O trajeto mais divertido era o das grandes avenidas, como a Protásio Alves e Osvaldo Aranha. Ele me chamava a atenção para os cartazes colados nos postes. Os que mais nos instigavam eram os das detetives particulares. Havia vários na mesma avenida, trocavam de poste, de tempos em tempos, mas eram sempre de detetives femininas. Logo, meu filho decorou o nome delas e lembra até hoje. Nós dois fazíamos muitas conjecturas a respeito, se elas realmente existiam, se todas eram a mesma, quem seriam as pessoas que contratavam seus serviços e para qual finalidade, se ganhavam bastante dinheiro e por aí vai.
Outro cartaz de poste que, no caso, eu via muito na minha juventude era o de um curso de Oratória e Desinibição. Ainda caminho bastante pela cidade, mas não tenho mais visto esse anúncio nas ruas. Encontrei-o, procurando no Google. Acho que agora ele está num lugar mais adequado.
Em todo caso, colar cartaz em poste, como estratégia de marketing, mesmo sendo proibida, ainda existe e resiste. Acredito que, até por não terem o imediatismo e a fugacidade das propagandas atuais, eles perduram, porque mexem com o imaginário das pessoas. Muitos destes anúncios sugerem a ideia de mistério, sigilo, segredos, promessas de enriquecimento e sorte no amor.
Quem sabe, durante o trajeto de quem anda a pé, o pensamento e as emoções viajem mais livres, encontrando nesses anúncios o acolhimento para suas fantasias e anseios? Quem nunca teve curiosidade de saber mais sobre uma amarração amorosa, leitura de tarô, detetives particulares e negócios super lucrativos, por exemplo?
É curioso como, num contexto de quase saturação de estímulos visuais e imagéticos, esses simples anúncios em preto e branco ainda tenham a potência de despertar curiosidades, resistindo ao competitivo mundo da propaganda.
É só prestar atenção, a imaginação continua solta pelos caminhos.
Jussara Kircher Lima é psicóloga. Após se aposentar do serviço público, tem se dedicado à escrita, em especial nos seus principais temas de interesse: literatura, psicologia e políticas públicas. E-mail: jussaraklima@gmail
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