Chegamos no final do ano quase Natal e me lembro que há exatos dois anos, em 2020, eu estava nesta mesma época com COVID, sem vacina, com aquele pânico do iria acontecer comigo diante de uma perda recente da minha irmã causada por um câncer pulmonar, em que se ficava medindo a oxigenação, como na primeira onda da pandemia.
Naquele momento além do oxímetro, eu queria respirar livremente, mas não parecia possível não só pela pandemia, mas por tudo que tinha visto e sentido na minha vida até então simbolizada na violência extrema contra George Floyd e aquele apelo: me deixe respirar.
Lembro bem que decidi sair das redes e sua infoxicação em relação à pandemia, ao isolamento social e era lançamento no Netfix de Amarelo. O documentário musical de Emicida que me abriu naquele momento ainda mais a sensibilidade em relação a ancestralidade e a noção de Elo que nós pessoas pretas procuramos e desejamos tanto.
Naquele momento, em um período de isolamento com muitas incertezas, cada verso reverberou em mim assim como cada menção de elo entre o rap e o samba, entre a nova geração e a velha guarda, entre as lembranças de Leandro e as memórias de sua mãe.
Eu sou parte, elo de uma família preta. Uma família com sua trajetória, eu poderia ter tanto insumo quanto 100 anos de solidão de Gabriel Garcia Marquez. Entre suas batalhas, amores e lutas. Uma família preta sempre em busca do elo.
Mas quando vi tanto nos documentários, quanto nas minhas reflexões sempre me perguntei o que seria aquele elo mágico que une uns aos outros nos colocando com um fio que se perpassa entre indivíduos e gerações.
Este Elo é a nossa ancestralidade, a nossa ligação não apenas genética, mas também cultural de nos entendermos no mundo pertencentes a um núcleo comum que nos codifica e nos nutre. Quando fui mais a fundo, encontrei o conceito da ancestralidade como este elo que nos liga e nos conecta nos fazendo ser e ao mesmo tempo resplandecer.
Vivemos no momento de um boom, onde a ancestralidade nos chama do apelo mais comum: os testes genéticos para sabermos nossas origens e heranças biológicas, até mesmo para nos surpreender. A ancestralidade está sendo evocada das terapias de constelação familiar até conceitos sociopolíticos mais complexos para que a gente entenda que olhar para nossos presente e futuro é encontrar nossos elos, honrar nossos elos e como dizia a música no documentário:
“Só eu e Deus sabe
O que é num ter nada, ser expulso
Ponho linhas no mundo
Mas já quis pôr no pulso
Sem o torro, nossa vida não vale
A de um cachorro triste
Hoje cedo não era um hit
Era um pedido de socorro
Mano, rancor é igual tumor, envenena raiz
Onde a plateia só deseja ser feliz
Com uma presença aérea
Onde a última tendência é depressão
Com aparência de férias.”
Ter elo e ser elo é muito além… é conseguir se entender enquanto parte de um todo que nutre e acolhe. Que se honra e se move.
“Aí, maloqueiro! Aí, maloqueira!
Levanta essa cabeça
Enxuga essas lágrimas, certo? (Você memo’)
Respira fundo e volta pro ringue (Vai)
Cê vai sair dessa prisão
Cê vai atrás desse diploma
Com a fúria da beleza do sol, entendeu?
Faz isso por nóiz
Faz essa por nóiz (Vai)
Te vejo no pódio
Ano passado eu morri
Mas esse ano eu não morro”.
Elo é maior que família, elo é estar em conjunção com a força ancestral.
Na sociedade em que vivemos precisamos resgatar nossos elos, como bem refletiu Emicida em Amarelo.